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Batalha na colina. - Capítulo 10.


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                                                                       Capítulo 10.


De acordo com o velho, iriamos viajar durante alguns dias e todo cuidado seria pouco, na estrada ficaríamos expostos a qualquer ataque. Antes de partimos, Ferraz preparou uma mala com mantimentos e vários tipos de armas, algumas pistolas, facas de combate, duas escopetas, um fúsil que acredito ser exclusivo das forças armadas, um arco composto bem robusto com uma aljava cheia de flechas e outras coisas que não consegui identificar, mas o que chamou mais a minha atenção foi uma catana longa de cabo e bainha preta com um desenho de uma flor dourada entalhada, sua lamina era de uma cor azulada e dependendo da maneira que a luz refletia, era possível ver um algo tremeluzir na espada, lembrei do movimento das ondas do mar.
Peguei aquela arma com um olhar insano e me senti um verdadeiro samurai, pronto para a batalha, deixei de ver o mundo ao meu redor, só existia a espada e eu. Tamanho era minha loucura naquele momento, que não ouvi o velho me chamar, só o percebi quando a espada foi arrancada de minhas mãos, deixando-me com a sensação de que um filho acabará de ser arrancado dos meus braços.

- O que você está fazendo? – Gritei para o velho.
- Você estava parecendo um lunático brandindo essa espada no ar, o que você acha que isso é? Um pedaço de pau? – Rebateu o velho, em um tom seco e áspero. – Pois não é meu garoto, isso é uma arma letal, forjada de um metal muito raro e tão afiada, que apenas um arranhão no seu braço pode corta-lo fora.

O velho a embainhou, e colocou junto com as outras armas dentro da bolsa e entrou no veículo, eu o e o segui.

- Desculpe. – Foi a única palavra que consegui emitir, estava completamente envergonhando, nunca havia visto aquele velho irritado. Apesar de ter a primeira vez para tudo, confesso que fiquei assustado com sua reação inesperada.
- Não garoto – Falava de maneira suava. – Eu que devo pedir desculpas, não era necessário falar dessa maneira... Mas você tem que entender que nem tudo é um brinquedo que você possa sair balançando pelo ar, algumas coisas são extremamente mortais e essa... – Respirou profundamente. – Essa eu tenho uma ligação profunda. Então não a toque.
- por quê? – Perguntei igual uma criança contrariada. – Porquê não posso usa-la?
- Bem... Essa espada é especial... Ela... Ela usa o poder espiritual do usuário, em troca de sua força. – Disse.
- Poder espiritual? – Perguntei. – Como isso é funciona?
                - Quando os anjos vieram do reino dos céus, trouxeram consigo algumas pedras especiais. Essas pedras tinham o poder de extrair ao máximo o poder espiritual dos anjos, e graças a ela, poderiam usar todas as suas forças em batalha se fosse necessário. Quando os anjos criaram suas casas e passaram a treinar os homens, perceberam que esses tinham uma grande desvantagem nas batalhas, armas humanas eram fracas e muito inferiores para combater seus inimigos e na esperança de criar um exército que pudesse fosse páreo tanto em número como em força para enfrentar as trevas, eles juntaram todas as pedras que carregavam consigo e deram para os mais habilidosos ferreiros daquela época.
Esses descobriram que as pedras na verdade, eram um tipo de metal muito raro e que transmitia uma sensação de energia pura, e chegaram à conclusão que não importaria onde procurassem, nunca encontrariam nada semelhante na terra. Após algum tempo estudando aquele metal, descobriram que se ele fosse exposto a uma certa temperatura, poderiam derrete-lo e molda-los, assim passaram a criar novas armas. Essas se mostraram muito eficientes no campo de batalha, finalmente passamos a lutar quase em igualdade com as forças das trevas, mas tinha um alto custo para os humanos ter tanto poder.
Por sermos inferiores aos anjos, tanto em força e sabedoria, a maior parte dos homens ficavam fascinados por seu poder e acabavam sucumbindo à loucura e o desejo crescente de ser mais forte. Era uma honra receber uma dessas armas, mas um fardo também, o caçador que tivesse sua posse sabia que cedo ou tarde estaria morto ou louco, morto pelas mãos de seus inimigos ou traído por seus desejos carnais.
Com o decorrer dos anos, vários humanos se destacaram em controlar suas armas, mas não mais que uma caçadora, uma das melhores da ordem, devota, inteligente, ágil e com um senso de justiça acima dos demais. Hanane descobriu que poderia controlar sua arma se tivesse uma espiritualidade elevada, quanto maior fosse sua fé, mais fácil seria controlar seus desejos. Ela se tornou a primeira mulher a liderar um exército de caçadores, não que as mulheres fossem inferiores, não existe essa discriminação entre nós, afinal, todos são iguais perante a Deus, não importa, raça, cor, religião ou opção sexual, todos são iguais. Mas ver uma mulher na frente do campo de batalha e milhares de homens e mulheres seguindo seus comandos, deve ter sido uma imagem incrível, e dizem que também foi a primeira humana a gerar um filho de um imortal, um anjo.
               
- Ela devia ser impressionante. – Pensei alto. –Depois dela, outras tiveram filho com anjos, certo?
                - Sim. – Respondeu. Os descendentes se uniram, criaram famílias e se espalharam no mundo.
                - Bom, se eu sou um descendente de um imortal. – Disse. – Então, eu posso usar essas armas sem nenhum problema, certo?
                - Errado. – Mais uma vez falou naquele tom seco e cortante. – Você também puxou os piores defeitos do ser humano. – Disse. – Inclusive a falta de fé.
                - Isso não é verdade, eu tenho muita fé. – Respondi.
                - Você acredita em Deus? – Perguntou. – Melhor, você o conhece?
                - Sim... Talvez, não... – Respondi. – Acho que ninguém o conhece.
                - Ai está a diferença. – Disse o velho. – Hanane afirmava que o conhecia, outros caçadores afirmam que o conhecem, e eu conheço também.
                - A várias maneiras de conhecer Deus. – Respondeu ao ver minha cara perplexa com aquela afirmação. – Alguns dizem que o conheceram em sonho, outros ouvem vozes, Hanane o conhecia através de sua força de vontade e eu o conheço por não me sentir sozinho.
                - Então você não o conhece – Falei. – Ao menos, não pessoalmente.
                - Eu o conheço. – Disse de forma segura.
               

Após a breve conversa, Ferraz deu partida no carro e saímos antes de ver a casa ruir devido ao fogo. Percebi que o velho segurava o volante com tanta força, que os nós de seus dedos estavam totalmente brancos por causa da pressão. Para ele era difícil deixar aquele lugar e eu com certeza não queria saber quais eram seus pensamentos naquele momento, sabia exatamente como era abandonar o seu lar. Pegamos a estrada ainda de madrugada, a viagem seria longa e quando mais cedo partíssemos, seria melhor. Além do mais, não queríamos estar próximos do lugar, quando as autoridades fossem apagar o fogo da cabana ou possível incêndio florestal, me senti meio culpado.

...

                Nesse momento estamos viajando por uma estrada secundaria, de acordo com o velho, usaríamos velhas estradas secundarias e trilhas pouco conhecidas para passarmos despercebido por policiais ou qualquer outra coisa que pudesse nos atrapalhar até o nosso destino.
Nesse momento estamos em uma velha estrada de barro assentado e muito esburacada, Ferraz tem um antigo opala Comodoro de cor preta e filtros fumê no vidro, tenho que admitir que é um carro lindo e com um ótimo roncado de motor, infelizmente não foi feito para andar nesse tipo de estrada. Em meio aos solavancos e pulos do veículo, vejo a sacola com a espada pular no banco traseiro, algo naquela arma chamou muito a minha atenção, quanto estive com ela em mãos, me senti pela primeira vez protegido, me senti como se eu pudesse enfrentar tudo e todos sem a menor dificuldade, infelizmente o velho estava certo, eu não estava preparado para usa-la e eu sabia disso em meu interior, mas também sentia, uma enorme necessidade em tê-la em minhas mãos novamente, era algo como a fissura que um viciado em drogas sente. Não sei porque, mas fiquei ligado aquela espada.

                - Ferraz, como você conseguiu essa espada? – Perguntei.
                - Isso faz muito tempo, essa espada foi passada para mim por alguém muito especial. – Disse. – O dono dela era uma pessoa maravilhosa, foi uma pessoa que acreditava cegamente em sua fé e se tornou um grande caçador.
                - ele era? – Perguntei.
                -  Sim, morreu há muitos anos... e deixou a espada para mim. – O velho estava com um olhar perdido, como se lembra-se do passado. -  Eu não te contei isso, mas não existem mais pedras para forjar novas armas, é você provando seu valor e ganhando de alguém.
                Continuou.
                - A partir desse momento, você escolhe ficar com a arma original ou entrega para algum de ferreiro da ordem para que a arma seja modificada para um tipo que te agrade.
                - Mas por que alguém faria isso? – Continuei – Digo, se foi um presente, o certo não seria manter a arma em estado original e manter a memória do antigo dono?
                - Rapaz, o importante não é a arma em si, mas o proposito que o portador dá a ela. – Disse. – Não se herda a arma, mas sim o material e o seu significado. Além do mais, se alguém reconheceu o seu valor e te deu o seu bem, mais precioso, é porque ele acredita em você.
                Continuou.
-  E você não deve usar uma arma que não tenha aptidão ou maestria para tal. Esse erro, já levou diversos caçadores a uma morte prematura, por isso, é feito a modificação.
                - Você a refez? – Apontei para a bolsa por cima do ombro.
                - Não, é a mesma arma do antigo dono. – Disse. – Preferi manter sua memória, além do mais, não conseguiria fazer uma nova arma que fosse a altura do antigo portador.
                - Era uma pessoa muito especial para você? – Perguntei.
                - Foi o maior amigo que já tive, alguém de valor inestimável, um irmão.
               
O velho ficou quieto, mas após alguns minutos continuou.

- Quando cheguei na ordem, eu não tinha nada, não tinha mais ninguém na minha vida. – O velho estava mais uma vez com o olhar distante. – Só conhecia uma mulher chamada Rosangela, que salvou minha vida e passou a me treinar, por esse motivo, eu era sozinho. Dediquei todo o meu tempo aos treinos e estudos e em consequência esqueci de todo o resto, mas quanto mais me destacava entre os outros, menos sociável eu ficava.
                - Eu não sou como você, sou apenas humano. E como todo humano, sou muito competitivo. E percebi isso com o tempo, porque mesmo me dedicando muito, não era o melhor. – Narrava em um tom sereno, mas com uma vibração de emoção em sua voz. –Tinha um rapaz que se destacava em tudo e não importa o que eu fizesse, ele sempre estava um passo à frente, sempre... Sem perceber estava competindo em tudo contra aquele cara. No treino de artes marciais, vencia todos os outros cadetes, menos aquele cara, corrida livre, terminava sempre em segundo, sempre perdia para ele e nos estudos...
                - Deixa eu adivinhar, você sempre perdia para ele! – Soltei um risinho.
                - Não precisar ser debochado – O velho sorriu. – Com o tempo percebi que não havia a mínima chance de ser melhor que ele.
                - Qual é o nome dele? – Questionei.
                - Samuel... Samuel Fonttanele. – Disse. – Não havia como ser diferente, ele era descendente de uma nobre família da ordem com a incrível tradição de serem os melhores entre os melhores e com certeza meu amigo fazia jus a essa fama.
- Mas sabe garoto, Samuel era um cara excepcional. Era aquele tipo de pessoa que nasce um gênio, ele era melhor que qualquer outro e suas habilidades eram a prova disso. – Falava o velho – Um dia percebi que não havia a mínima chance de eu ser o melhor, então aquele sentimento de rivalidade, inveja ou algo parecido, passou a ser de admiração e respeito.
                - Com o tempo passamos a ser amigos, não só amigos, passamos a ser irmãos. – Disse. – Concluímos o restante do treinamento, e pouco tempo depois fomos escolhidos para receber nossas armas. Em todo nosso treinamento nossos mentores nos ensinaram diversos tipos de combate a utilização de várias e táticas, mas sempre enfatizaram que o melhor caçador não é aquele que sabe usar diversas técnicas, mas sim aquele que escolhe uma e a aperfeiçoa até o limite. E quanto mais técnicas e armas soubéssemos, mais fácil seria descobrir qual seria a melhor para cada um de nós.
- Tanto Samuel, quanto eu, recebemos a arma da Rosangela, nossa mestra, e com ela aprendemos que o importante não seria o tipo de arma que escolheríamos, mas sim o proposito que nosso coração daria a ela. Então cada um de nós, procurou um sentindo em seu coração.
                - O coração do meu amigo tinha um forte desejo de subjugar grandes hordas de inimigos com um único movimento e guiar nossos companheiros a vitória. Então, ele imaginou uma lamina... Uma lamina tão poderosa que poderia dividir as aguas com o seu corte afiado e ao mesmo tempo mover moinhos com a leveza dos seus movimentos, assim surgiu a espada que um dia se chamaria de divisora dos mares. – Disse. – E o meu coração ainda tinha um grande desejo de vingança, mas devido a minha nova vida e meus novos amigos, desejei uma arma que pudesse protege-los. – Ferraz, parou nesse momento e respirou profundamente. – Uma arma que alcançaria o seu alvo não importando a distância, que rasgaria o céu se fosse necessário para salvar aqueles que eram importantes, assim surgiu o meu arco, que chamei de Destruidora alada. – Apontou para a sacola no banco traseiro.
- Fizemos diversas missões como caçadores, não lembro quantas atravessamos o véu, mas foram muitas vezes. Mas não importava quantos demônios matávamos, sempre apareciam dez para ocupar o lugar do que havia caído, logo, a quantidade deles era muito superior a nossa quantidade de caçadores. – Ferraz ficou em silêncio por um momento. – Certa vez, a ordem recebeu vários alertas pelo mundo. Em vários lugares, fendas estavam sendo abertas e cidades inteiras estavam sendo atacadas por forças demoníacas. Surtos psicóticos, possessões, estupros, assassinatos, desaparecimentos. Tudo obra de demônios.
- Você está dizendo que foi um ataque em escala global? – Perguntei. – E como não há registro disso?
- Você sabe o que é o véu da realidade?
- Não... – Não titubeei ao falar. – Na verdade, eu tenho uma breve ideia do que possa ser.
- Existem duas realidades, a realidade física e a espiritual. – O velho passou a usar um tom sereno na voz. – Os humanos vivem no mundo físico e os demônios no mundo espiritual. Um é ligado ao outro e ao mesmo tempo não é. O que existe aqui, existe igualmente lá, mas de maneira diferente, deformada, para ser mais exato.  – Não pude deixar de lembrar da cidade fantasmagórica, a verdade é que senti que conhecia o lugar, mas ao mesmo tempo não conhecia, pensei. – Só possível atravessa-las com seu corpo físico com uso de portais, essa regra vale para ambos os mundos. Uma vez que um demônio consegue ultrapassar essa barreira e entra no mundo físico, aos olhos dos humanos, serão apenas só mais uma pessoa.
- Atualmente existem, milhares de demônios convivendo no mundo físico, escondidos entre os humanos, agindo como pessoas normais, trabalhando, estudando, talvez um vizinho amigável, um rapaz ou uma garota bonita da escola, quem sabe? – Narrava o velho. – Muitos humanos vivem diretamente com eles, sem ao menos se dar conta da sua verdadeira identidade durante toda sua vida, e esses infiltrados, por sua vez, enganam e corrompem a mente e o coração humano e após sua morte, sua alma se une as trevas e esse renasce como um novo soldado em suas tropas.
- Um ser humano comum não tem capacidade de defesa e muito menos, a habilidade de ver através do disfarce, somente alguém treinado como eu ou alguém especial como você, tem essa habilidade. – Disse. – Por isso a ordem existe, por isso nós existimos, para proteger aqueles que não podem fazer isso por si.
- Ferraz, você é um humano comum, então como conseguiu ver através dou véu ou reconhecer um demônio? – Perguntei.
- Fiz muitas coisas boas e ruins quando jovem. – Disse. – Uma delas, foi abrir o terceiro olho. E digo que foram as duas coisas. Ruim, por quê graças a isso passei a enxergar o mundo oculto e eles passaram a me enxergar. – O velho ficou calado, não precisava perguntar o motivo, já sabia a resposta: Sua família. – Mas também, passei a ver a verdade.
- Terceiro olho?
- É o olho espiritual, todo humano têm a capacidade de ativá-lo, esse fica localizado no centro da testa e serve especificamente para ver aquilo que é oculto. A maior parte de nós, nascem com ele adormecido e necessitam de muito tempo de preparo e um alto nível espiritual, mas em alguns casos, alguns nascem com ele aberto e sem o devido conhecimento, o portador, acaba indo a loucura. Imagine você ver demônios, fantasmas e trevas ao seu redor sem poder desliga-los? Contar aos outros e ninguém acreditar em você? É um sofrimento imenso.
- Em toda minha vida, nunca fui dessa maneira, era uma pessoa normal, até que aquele dia. – Lembrar daquela praça, aquele demônio, ainda me davam calafrios.
- Suas habilidades começaram a ficar latentes naquela época, provável que você já vinha tendo sinais disso. – Respondeu em tom casual.
- Se estive, não reparei. – Disse. – Ferraz, e sobre o ataque?
- Então... – O velho deu uma pausa e pigarreou para limpar a garganta. – A ordem vinha recebendo vários relatos de portais e atividades por todo o mundo, estevámos em alerta total. E nossos relatórios indicavam que em um certo ponto da américa do sul, uma grande quantidade de demônios estava prestes a romper o véu.
- Como assim romper o véu? – Perguntei em tom entusiasmado, cada vez ficava mais interessante aquela ladainha.
- Sim, romper o véu. Significa, que eles não usariam portais para atravessar, até por causa do seu número limitado de pessoas que podem passar por vez, ou seja, eles quebrariam a barreira que separam as duas realidades, se isso acontecesse, não só as duas realidades iriam entrar em conflito e se tornarem uma, como teríamos um desastre colossal.
- Imagine um vidro com um imenso buraco feito por uma grande pedra, é exatamente isso que seria inicialmente. – Disse. – Com o véu quebrado em uma parte do globo, uma massa imensa de demônios poderia passar de uma única vez e isso seria só o início. Nossos caçadores estariam ocupados tentando manter a ordem nesse ponto e enfrentando uma grande quantidade de inimigos e não tenho dúvidas que eles teriam aproveitado essa oportunidade para fazer outras fendas no resto do mundo, até derrubar o véu por completo.
- Seria o fim da humanidade. – Conclui.
- Exatamente. – Continuou. – Mas antes da situação chegar de fato nessa situação, a ordem emitiu um chamado de urgência para todas as equipes e caçadores solitários se apresentassem imediatamente. Uma vez que todos estavam reunidos, a ordem nos informou da situação crítica. A única vez da história que ouvimos falar de algo de tal magnitude, foi quando Hanane era a líder suprema da Ordem, a idade das trevas. Seria o momento mais importante da nova geração de caçadores, um momento para demonstramos bravura e honra, quem sabe conseguir uma promoção na ordem. Nós éramos ingênuos. – Nesse ponto o semblante do velho estava sombrio. – Fomos em grande quantidade para aquele ponto da américa do sul. Nossa missão seria chegar no lugar, averiguar a situação e interferir que conseguissem derrubar o véu, percebemos que não havia possibilidade de fazer isso no mundo espiritual, uma vez que todo o processo deu início no mundo espiritual, teríamos que ir até os domínios de nossos inimigos.
- Quando chegamos no local, percebemos que as duas realidades estavam em ponto crítico, se demorássemos muito, uma fenda de tamanho inimaginável seria aberta e não seria possível fecha-la, nunca mais.  – O velho nem olhava para mim ao narrar e eu estava concentrado em captar o máximo de informações que pudesse. – Samuel foi escolhido para ser o líder e ele nos passou o plano, era o mais simples possível, abriríamos portais no mundo físico, atravessaríamos, lutaríamos até que selássemos a fenda por dentro e abríamos novos portais para voltar, fechando-os em seguida.
 - Nós estávamos com mais ou menos cinco mil caçadores, vindos de várias partes do mundo, 90% de nós estávamos ali, até onde sabíamos, poderia ser nossa última batalha, a última defesa da humanidade. Abrimos diversos portais, tínhamos que entrar com o maior número possível de caçadores, não tínhamos como saber o que nos esperava do outro lado.
- Tivemos que nos dividir em 5 grupos para entrar, abrimos o número máximo de portais que conseguiríamos manter, porque não era possível entrarmos todos ao mesmo tempo. – Ferraz ficou em silêncio mais uma vez e olhou a estrada de uma maneira pesada e rancorosa. – Ficamos no último grupo para entrar, por Samuel, ele teria entrado no primeiro grupo, mas sabíamos que haveria baixas e não poderíamos correr o risco de perder nosso líder.
- Após o último caçador do terceiro grupo, nos preparamos e avançamos, o tempo de travessia pareceu uma eternidade, quando finalmente chegamos do outro lado, me deparei com o maior massacre que já havia visto na minha vida. Meus Irmãos caçadores, estavam sendo aniquilados. Em cada grupo havia quase mil caçadores, metade dos que tinham entrado já estavam mortos, e o restante estavam cercados por hordas de demônios de todos os tipos.
- Olhei horrorizado para Samuel, esse não esboçava nenhuma expressão, quando ameacei falar alguma coisa, meu irmão assumiu o controle do grupo e se juntou aos outros que ainda estavam de pé. Não tive tempo para pensar, fui dar cobertura aos meus amigos. – Era palpável a emoção que transbordava na voz do velho. –Estávamos no pé de uma grande colina, essa estava lotada de demônios e outras criaturas malignas. Cães do inferno, demônios alados, serpentes enormes, gigantes, haviam grupo de lobisomens, bruxas, necromantes e qualquer outra coisa que você pudesse imaginar, alguns nem imaginava que se enquadrassem nessa categoria.
- Samuel e um grupo de habilidosos caçadores abriram caminho entre aquela loucura, dava para ouvir nitidamente tilintares de metais soando por todos os lados, gritos de guerra, gritos de dor, rugidos. Um mar de sons que faziam uma estranha sinfonia entoar por tanto campo de batalha, me juntei ao grupo e atirei o máximo de flechas que eu conseguiria, cada criatura que tentava avançar a nossa linha de frente, era uma flechada e uma queda, claro, eu não era o único atirador, diversos outros utilizavam arcos compostos, rifles, pistolas e outras armas a distância. Então você pode imaginar como foi fácil cobrir nossos parceiros naquele ataque. Samuel liderava o grupo com extrema facilidade, todos o respeitavam e por isso seguiam seus comandos sem ao menos pestanejar.
- Em pouco tempo de batalha tomamos a colina, formamos uma rápida equipe para cuidar dos feridos, que na verdade, eram poucos. O resto de nossos companheiros estavam espalhados pelo campo de batalha nos mais diversos pedaços. Alguns estavam tão desfigurados, que era impossível reconhecer quem foram antes.
- Nós não tivemos muito tempo para cuidar dos feridos ou fazer alguma oração pelos mortos. Poucos minutos depois, ouvimos novos barulhos. Vozes, gritos, rugidos, uma mistura de sons vindo do outro lado da colina. Samuel sabia que não teríamos tempo para descanso, em pouco segundos nos reorganizou de maneira espetacular, a formação feita em formato de flecha ocupou toda a colina, os feridos e o pequeno grupo que estava cuidando deles, ficaram para trás, não só com o objetivo de cuidar dos nossos que estavam machucados, mas também para abrir os portais de volta.
- Subimos a colina em um compasso único, senti como fossemos um único indivíduo subindo a colina. Quando alcançamos o topo e enfim contemplamos o outro lado, percebemos que era o fim. Não havia como vencermos aquela guerra, um imenso exército negro estava do outro lado. Eram tantas criaturas que não conseguíamos ver o fim, víamos inimigos até o limite que nossa vista alcançava. O que poderíamos fazer contra aquele exercido imenso, tínhamos muitas baixas. Eles eram dez mil?  Cem mil? um milhão? Não sei dizer, mas eram muitos.
- As criaturas urravam de ódio, o grupo que nos recebeu era apenas a entrada, o prato principal era aquele exército. Olhei para trás e olhei nossos inimigos caídos, até aquele momento, não tinha enfrentado nenhum anjo caído, só demônios de classe baixa, e outras criaturas facilmente substituíveis. E ao olhar para nossos novos inimigos, os avistei, na frente da tropa estavam os anjos negros, liderando junto com seus filhos, os verdadeiros comandantes.

- De imediato Samuel correu para o final do nosso grupo e gritou do alto da colina para os que ficaram tratassem de reparar a fenda e em seguida abrissem os portais para voltarmos. Mas os comandantes do exército negro já esperavam por isso.
- Gritos de guerra voltaram a ecoar por todas as direções, cada vez mais alto, aquela enorme multidão enegrecida estava sedenta por sangue, o nosso sangue. – Não fazia uma pergunta ao velho, dava para perceber que estava se forçando para contar os fatos. – Ao comando dos seus senhores, aquele mar de demônios avançou ao nosso encontro, sabíamos que não teríamos tempo de recuar.
- Sabe garoto. – Disse o velho, ao finalmente se lembrar da minha presença. - Uma batalha real não se parece nem um pouco com aquelas vemos em filmes, não há tempo para frases motivacionais, não há tempo de se despedir dos amigos, não a tempo para nada, tudo acontece muito rápido, um simples piscar de olhos é o suficiente para um amigo tombar ao seu lado, e nós sabíamos muito bem disso.
- Samuel era um cara incrível, todos admiravam sua postura, só foi necessário ver nosso líder brandir sua espada para que nos juntássemos a ele, nos unimos novamente em formato de flecha. Todos os que lutavam corpo a corpo estavam na linha de frente, nos de longo alcance, ficamos atrás. Nessa formação nosso líder nos guiou de encontro ao exército inimigo, nós os atingimos como uma flecha quer perfura certeiramente o centro do seu alvo. Nossa missão não era vencer, mas segura-los, até nossos colegas feridos tivessem voltado em segurança e que a fenda estivesse selada.
- Nesse momento rapaz. – Ferraz olhou fundo dos meus olhos, percebi um brilho no olhar, não um simples brilho. Era a admiração de uma lenda, estampada na sua face. – É que meu amigo virou uma lenda. Em meio a batalha é difícil prestar atenção em alguém especifico, qualquer distração é vital, mas não tinha como não ver o que ele fazia com sua espada. A divisora dos mares reluzia entre toda aquela maré negra, um azul tão reluzente e afiado, cortava ao meio aquele imenso mar negro na nossa frente, era como ver um tsunami varrendo os demônios do nosso caminho, por alguns momentos, nós realmente estávamos vencendo, a emoção era tão grande que não pensei duas vezes, corri entre a multidão, usando meu arco para abrir caminho, minhas flechas perfuravam vários inimigos de uma única vez, não era incrível como Samuel, mas com certeza minha devoradora alada, fazia jus ao seu nome, em pouco tempo abri caminho com mais alguns caçadores e nos juntamos ao nosso líder, nós iriamos vencer, eu já tinha certeza.
- Samuel estava na minha frente, atacando fileiras e mais fileiras de inimigos, sua espada azulada pintava o cenário como se fosse um quadro a óleo e ele algum tipo de Picasso e eu utilizando o meu arco com o máximo de velocidade possível, minhas flechas literalmente cortavam o céu, acertando todos os seus alvos de forma precisa e impressionante. Samuel não deixava ninguém chegar até minha posição e eu cobria seus pontos cegos e dos outros companheiros de forma eficiente, mas a situação mudou repentinamente – O velho parou por alguns segundos. – Um grande Nefilin negro, se juntou a batalha, ele era enorme e rápido demais, vários caçadores investiram contra ele, mas em vão. Vendo que meus companheiros, minha família estava sendo massacrada por aquele inimigo, esqueci da minha posição e corri para cima dele, cada passo que eu dava, era uma flechava que voava, sem muitos esforços, ele esquivou de algumas e defendeu outras o uso de uma enorme espada de metal negro.
- O anjo negro, não se importou com meus ataques, ele queria nosso líder. Correu na direção de Samuel, que não se intimidou e foi para cima dele também. O Caído, tinha uma espada enorme, feita de metal negro como piche, com fios serrilhados e quase do tamanho do próprio portador, aquilo devia pesar uma tonelada. O que mesmo para você, seria impossível de usar, para ele era fácil.
- O anjo, balançava aquela espada acima da cabeça como se fosse um tacape e urrava de maneira feroz para nos intimidar, faltando pouco mais de um metro de distância, ele a usou com estrema velocidade, quase não consegui ver o seu movimento. Como esperado, Samuel esquivou para a direita com um pequeno pulo giratório que mais parecia o movimento de um pião, mas suficiente ligeiro para escapar do golpe mortal. Samuel arrastou sua espada azul no chão, levantando faíscas coloridas ao seu redor, entre tons de um amarelo avermelhado e a cor azul da espada. Samuel aproveitou a distração e desferiu um ataque frontal contra o inimigo, mas por instinto ou talvez destreza, o demônio defendeu com sua enorme espada, fazendo com que o ataque do meu amigo cortasse apenas o ar e deixando a guarda do meu amigo desprotegida por alguns segundos, sem perder a oportunidade, anjo já havia passado para as costas do Samuel. – O velho narrava de maneira tão intensa que sentia como se eu estivesse presente. – Percebi que meu amigo não iria escapar, consegui atirar uma flecha que dessa vez acertou o ombro direito da criatura, que girou na minha direção finalmente tomando conhecimento da minha presença.
- Nesse pequeno momento Samuel se recuperou e desferiu um novo ataque, cortando a armadura que protegia as costas da criatura, um imenso rasgo no metal negro era visível, assim como um sangue negro que escorria pela fenda. A criatura lançou um ataque giratório e acertou o dorso do Samuel com a lateral da espada, aquilo não seria fatal, mas foi um tremendo golpe que o lançou a alguns metros de distância, a criatura viu uma brecha de acabar com a luta e correu para mata-lo, lancei três flechas tentando atrasa-lo, uma acertou um demônio que pulou na frente de sua trajetória, e antes que pudesse ver a trajetórias das outras duas, fui derrubado por outro demônio.
- Um demônio com rosto cheio de chifres e bastante ossudo tentou me atacar ali, não havia percebido sua aproximação até aquele instante, mas por sorte, estava sozinho. Procurei os outros caçadores olhando de relance, mas não avistei nenhum, provavelmente, estavam com o restante do nosso grupo, lutando em algum outro ponto ou já haviam caído.
- O demônio ossudo veio em minha direção, pronto para acabar com sua presa. Girei o corpo no chão, peguei meu arco e lancei uma flecha que foi desviada com facilidade com seu escudo, em segundos a criatura já estava em cima de mim e eu não tinha espaço ou tempo para armar outra flecha. A criatura se lançou com a espada totalmente arqueada em cima da sua cabeça, atacou traçando um corte reto na minha direção, me joguei para o lado na tentativa de escapar do alcance, nesse meio tempo, tirei da minha bota, um pequeno punhal e ele teria que servi. Sem ao menos ficar em pé, me lancei em cima da criatura, agarrando sua linha da cintura e rolei no chão com o demônio, senti uma dor profunda rasgando o meu ombro direito, de alguma maneira, fui cortado por aquele metal negro, mas eu não iria cair ali, enfiei o punhal na lateral das costelas direitas e girei a faca dentro da criatura, arranquei o punhal e enfiei novamente no mesmo lugar, o demônio urrou de dor e agonia e por um segundo me largou, pude ver o vão da sua armadura com seu pescoço e enfiei novamente o punhal nessa falha da armadura, puxei o punhal com força, cortando seu pescoço e o início do seu peitoral, não satisfeito, arranquei novamente e dessa fez enfiei direto em seu olho esquerdo, o demônio tombou ao meu lado.
- Olhei para meu ombro e o estrago era grande, a ferida estava enegrecida, havia uma infecção por conta daquele metal amaldiçoado, haviam veias estouradas por toda a extensão. Olhei ao redor e encontrei o meu arco caído, tentei levantar, mas eu estava desorientado e com a vista totalmente embaçada, tentei mantar a calma, tinha que me levantar e encontrar o Samuel, engatinhei em meio ao campo de batalha, pelo visto, os demônios não se importavam com alguém que estivesse caído de  forma quase moribunda, vários passaram por mim e nenhum me atacou, talvez não achassem necessário, afinal, pelo estado da minha ferida e a maneira que sentia meu corpo queimar, era provável que morreria a qualquer instante.
- Eu estava completamente perdido, não conseguia ver nada, não conseguia ficar em pé e mesmo que eu quisesse, seria impossível me arrastar pela colina e chegar no portal, era o meu fim. Fiquei ajoelhado, vendo apenas os vultos passarem ao meu redor, gritos ecoavam, sons de carne sendo cortadas, choros e gemidos. Em certo momento, senti como se o mundo tivesse desacelerado, meu corpo ficou pesado em quanto minha vista escurecia, não aguentei mais meu próprio peso e tombei para frente, de repente alguém me segurou e me colocou de pé.
- Era Samuel. – Ele havia me encontrado. – Ele colocou meu braço esquerdo em seu ombro, percebi que ainda estava segurando o arco com o meu braço moribundo, não sei como, talvez meu subconsciente estava forçando-me a segura-lo, por que não sentia mais a minha mão direita ou qualquer parte desse braço. Samuel não disse uma palavra, mas aos troncos e barrancos nos encontramos com o resto dos caçadores que ainda estavam lutando, esses foram abrindo espaço para que voltássemos para os portais. Não sabia se o processo de selamento estava finalizado, mas deduzi que sim, afinal, estávamos recuando. Passamos pela multidão e descemos a encosta da colina, imagino quantos caíram nesse pequeno trajeto. Chegamos aos portais el caímos em frente aos nossos companheiros que estavam ali.

- Leva ele. – Disse Samuel para um caçador.
- E você? – Perguntou o jovem caçador.
- Alguém tem que ficar para terminar o selamento, eu fico e vocês vão.

- O caçador que iria atravessar comigo, segurou-me pela cintura, forçando-me a ficar de pé, mas com o pouco de força que ainda tinha, o empurrei, mesmo quase inconsciente, sabia o que ia acontecer, Samuel iria se sacrificar por todos nós.
- Samuel, o que você está fazendo porra? - Gritei. – Samuel.
- Não posso passar meu amigo. – Ouvi a inconfundível voz do meu amigo. – Alguém tem que ficar, fechar os portais e restaurar o véu por esse lado, além do mais, não posso deixar que mais nenhum dos meus homens morrem aqui.
- Então eu vou ficar também. – Falei já preparando meu arco, mas sem forças, fui ao chão. – o caçador mais uma vez me sustentou.
- Eu sei que você ficaria ao meu lado, mas você não tem condições de lutar. – Meu coração gelou quando ouvi meu irmão falar essa frase. – Você tem que ir, eu sei que você tem uma missão importante para cumprir e ela não termina aqui e você ainda tem um certo demônio para encontrar e ele não está aqui. – Disse. – A minha missão termina aqui, tenho que proteger todos os que estão lá fora, todos aqueles que não podem lutar e nesse momento você é um desses.
- Pega meu amigo, agora ela é sua.
- Sua espada? – Questionei.
- Sim, não vou precisar mais dela. Ache um substituto.
- Samuel colocou a mão em meu ombro e passou-me a espada, antes que eu pudesse dizer alguma coisa, fui empurrado pelo portal. Quando percebi cai do outro lado e fui amparado por outros caçadores, levantei e tentei voltar pelo mesmo portal, mas ao tentar fui lançado longe e bati a cabeça em alguma coisa, perdi a consciência imediatamente.
- Acordei algum tempo depois na ala médica, fiquei sabendo que meu amigo, havia ficado do outro lado para fechar a fenda, dos cinco mil caçadores, apenas duzentos, contando com os feridos e comigo, conseguiram sobreviver. Foi a maior perda da ordem e pela segunda vez, havia perdido mais um membro da minha família, perdi um irmão.
- Depois disso garoto, a ordem não conseguiu reunir tantos membros. Temos um número de pouco menos de dois mil caçadores que estão em treinamento, a maioria é da sua idade e os veteranos estão espalhados pelo mundo, procurando outros como você. Por isso você é importante. – Apontou para mim ao dizer isso.

- Sim, Ferraz. – Respondi sentindo o nó na minha garganta, era um peso muito grande. Se na época que o velho era um caçador ativo, e a ordem tinha muitos membros experientes, e mesmo com aquele número de caçadores, não foi suficiente para conter o exército negro, imagino agora.