Caçada à meia noite.


.

                              Luíza - 1º Dia - Capítulo 6.


    
  - Eu sou uma caçadora, eu sou uma caçadora... eu sou uma caçadora!

  Desde pequena me sentia diferente das outras pessoas, sempre fui mais ágil, mais forte, mais inteligente, mais completa do que todos. Se alguém se dedicava para ser bom em alguma coisa, eu me dedicava ao dobro.  Tinha que ser a melhor. Não fazia isso para me engradecer ou para rebaixar os outros, mas era necessário que fosse assim, de outra maneira, não sobreviveria.
Tomei consciência dos meus talentos aos quatro anos, nessa idade, eu era superior às várias crianças mais velhas que eu. Na minha vida não tinha como ser diferente, eu tinha que ser a melhor. Minha família sempre fez parte da ordem e sempre foram os melhores. Meus pais eram os melhores guerreiros, assim como meus avós, tataravós e assim por diante, era o negócio da família e agora é a minha vez de assumir essa função.

   - Eu sou uma caçadora, eu sou uma caçadora... eu sou uma caçadora!

   Essas palavras retumbavam na minha mente como um compasso de um tambor, era o meu mantra particular desde quando comecei a ser treinada. Ao longo dos anos, aprendi todo tipo de técnica de combate, percebi com o tempo que não existia uma arte que fosse superior a outra, cada uma tinha seu um ponto forte ou fraco, percebi que ao combina-las, uma passava a suprir o que faltava na outra, então assumi essa postura e aos poucos fui completando essas lacunas, até chegar em um ponto que minha técnica de combate era temida por muitos e admirada por poucos, eu tinha o melhor ataque e a melhor defesa de todos os guerreiros. Mas o que mais me agradava, era caçar. Meu Pai, Vinicius. Me levou pela primeira vez em uma floresta aos 12 anos, no início não gostava muito dessa atividade, mas logo tomei gosto por isso. Aprendi com meu pai a montar armadilhas, como me camuflar em qualquer terreno, encontrar rastros e o meu ponto principal, fingir que eu sou a presa quando na verdade eu sou a caçadora, adorava isso. Meu nome é Luiza Fonttanele.

...

   Há três dias tenho atravessado o véu procurando alguém que com certeza não conheço, tenho sonhado com ele todas as noites. Um rapaz parado em uma praça com um espectro o observando, com certeza ele vai mata-lo, mas o rapaz não tenta fugir, fica encarando-o também. Os espectros não sentem pena de nada, por onde passam deixam um rastro de morte e destruição. Atacam qualquer pessoa, velho, jovem ou criança, isso não interessa, eles só se importam com uma coisa, saciar sua vontade de matar. Sinceramente, não sei porque estou fazendo isso, mas toda vez que tenho esse sonho, que vejo esse rapaz, me sinto estranha, não sei dizer o que é, mas sei que tenho que ajudar, droga.
Com certeza estou ficando louca, arriscando minha vida por causa de um sonho, um sonho que não tenho certeza se é real. Sei que para nós, eles respondem muitas coisas, mas nem tudo pode ser levado ao pé da letra. Já estou há cindo dias atravessando o véu e rondando essa cidade devastada, já perdi as contas de quantas vezes me escondi ou tive que lutar com alguma criatura sombria na busca desse rapaz.

          - Droga, droga, droga. Mil vezes droga. – Grunhi.

Estava cansada, não tinha mais desculpas para dar aos meus superiores por causa dos meus repentinos desaparecimentos, cinco noites seguidas? O que eu iria falar dessa vez? Minhas frases elaboradas de desculpas esfarrapadas estavam acabadas.

   - Essa é última vez que venho aqui. – Pensei. – Com certeza isso é apenas um sonho bobo de menina, se tivesse que acontecer algo, já teria acontecido.

   Maldita boca, senti um calafrio justo nesse momento. Calafrios nunca são bons sinais. Calafrios significam duas coisas, a primeira é que a temperatura caiu de maneira brusca, graças a isso, vou sentir muito frio e não trouxe nenhum casaquinho e a segunda, não menos importante, queda brusca de temperatura, significa manifestações ou seja, em algum lugar próximo havia algum demônio, uma pessoa sensata não iria atrás de um, como sou uma dessas pessoas, com certeza eu também não iria, mas dessa vez a minha voz interior, estava mandando eu ir, tentei não dar ouvidos, mas ela estava muito persistente.

   O frio se intensificava para o norte, quando mais eu ia nessa direção, mais o calafrio aumentava. Essa sensação é incomoda mas passageira, a verdade é que essa é uma reação natural do corpo para pressentir que tem alguma coisa errada, as pessoas que avaliam mal ou não confiam em seus sentidos, mas eu não. Não tinha tempo a perder, então fui o mais rápido que pude, confesso que se tivesse demorado um pouco mais, teria estragado tudo. Não consegui ver o que aconteceu antes, mas cheguei a tempo de um ver um rapaz moreno encarando um espectro de perto, eles estavam a pouco mais de um metro de distância, o suficiente para o espectro arrancar a pele do seu corpo.

   - Porquê ele não o matou ainda? Pensei – Isso não é normal, parece que está estudando, mas eles não fazem isso.

   Não tinha muito tempo para pensar na resposta da minha própria pergunta, tinha que fazer algo antes que a curiosidade do espectro acabasse. Em pouco mais de três segundos, analisei todas as minhas opções, não tinha como chegar até os dois em menos de cinco segundos, esse tempo é suficiente para que o rapaz vire uma bola de carne nas mãos do espectro, e mesmo que eu conseguisse chegar a tempo, não teria como me esconder e atacar um deles de frente e muito arriscado, até mesmo para mim, tirando que a presença daquele rapaz me deixaria nervosa. Tive que fazer a coisa mais sensata naquele momento, atrai-lo para mim.
Olhei para o chão e encontrei uma pedra de acostamento, relativamente grande e pesada o suficiente para fazer um grande barulho e um grande estrago, passei a vista nos prédios próximos, procurando uma janela intacta, algo relativamente difícil naquele mundo, no terceiro andar do prédio a direita, tinha uma janela que estava parcialmente quebrada, teria que servir. Mirei e atirei a pedra com toda minha força para que fosse obvio a direção do barulho. O monstro olhou de imediato ao seu redor procurando a origem do som, infelizmente não tinha sido suficientemente alto para atrai-lo de imediato, mas eu tinha a segunda opção, deixei exalar do meu corpo uma sensação, uma sensação de medo que eu sabia muito bem transmitir, aquilo com certeza iria atrair o espectro. Ao farejar o meu medo a criatura pareceu acordar, ela sabia de onde estava vindo e que naquela direção tinha um ser indefeso com medo e que seria uma presa fácil, rapidamente a criatura correu em alta velocidade atrás de mim.

  - Ótimo, agora eu sou a caça. – Sorri internamente.

   Corri o mais rápido possível para tentar escapar, tinha que encontrar um local em que pudesse me esconder, esconder minha presença, o único problema é que a criatura é rápida, tão rápida como uma chita ou um guepardo, então não teria chance se eu corresse em linha reta, teria que correr em ziguezague. Voltei pela mesma rua e dobrei a primeira direita em alta velocidade, dando um chutinho na parede para não bater de cara, pulei por cima de alguns obstáculos tentando ganhar tempo, sabia que a criatura estava atrás de mim, mas não tinha como me dar o luxo de olhar para conferir. Corri com todas as forças, mas algo estava errado, não estava sentindo a sua presença, sem perder velocidade, virei em outra esquina à esquerda, tinha um pedaço de espelho quebrado em um canto, passei correndo a toda, mas minha visão periférica viu algo que me deixou pasma.

   - Esse desgraçado está vindo pelo alto. – Gritei. – Droga, droga, droga, mil vezes droga.

   Com certeza ele não sabia brincar, pensei que correria atrás de mim pelas ruas e seria relativamente fácil escapar por ali, eram pequenas e com bastante obstáculos atrapalhando uma corrida livre, mas o espectro era muito esperto, pulando de prédio em prédio, ele não teria que se preocupar com esses detalhes, só precisava me ultrapassar por cima e dar um bom pulo na minha frente para acabar com a minha festa, mas eu não iria facilitar as coisas, não mesmo. Parei de supetão e mergulhei pela primeira janela que encontrei ao meu alcance, dei um rolamento para não me machucar, se ele iria por cima, eu iria por dentro dos prédios.

   - Esse jogo dá para dois, bonitão. – Ri amargamente.

   Não sabia o que poderia encontrar por dentro, mas não importava, iria passar tão rápido que mesmo se tivesse algo ali, só veria o meu vulto passando. Corri por dentro saguão, tentando diminuir o tempo o mais rápido possível, não foi uma passagem complicada, não tinha quase nada dentro que pudesse me atrapalhar, pulei por uma janela de fundos e sai em uma rua larga, mas não fiquei preocupada, atravessei sem parar um segundo e me joguei contra a porta de uma loja que cedeu com facilidade, tudo ali estava podre e decrepito. Atravessei mais uma vez o interior do prédio sem nenhum problema, saí por uma porta de fundos, que me deixou em uma viela que desembocava em uma grande encruzilhada, em frente tinha um enorme hotel, imaginei que devia ter um enorme hall e muitos lugares para ficar escondida. Atravessei a longa rua até a entrada, antes de entrar dei uma olhada rápida e vi a criatura pulando de um terraço no início da rua, meu plano tinha dado certo. Ao entrar no primeiro prédio, o espectro perdeu meu rastro, então ganhei uma boa vantagem contra ele.

   Com uma rápida averiguada do local, percebi os melhores locais para me esconder e armar um plano de ataque. O hall do hotel era grande, muito grande. Em 3 segundos achei o lugar perfeito e com mais sete segundos bolei um plano de ataque.

   - Dez segundos? Droga, muito lento, tenho que ser mais rápida. – Pensei com raiva.

   A criatura chegou arrebentando a entrada do hotel. Ela fez isso não para se amostrar, mas para deixar o que ele estivesse caçando com medo. O espectro foi até o meio do hall como se não temesse nada, olhou em volta e não me viu, estava tudo indo conforme o meu plano. Novamente deixei exalar meu sentimento de medo, a criatura de imediato virou na minha direção e correu para o contato em que estava escondida, mas eu não estava mais lá. Nesse meio tempo, contornei o balcão e fui para as costas da criatura, deixei ela exatamente a onde eu queria, encostada no canto onde não teria para onde fugir ou se esquivar. Lancei um dos meus talentos no espectro, a Luz purpura, esse ataque o deixaria cego por alguns instantes. O maior ponto fraco de qualquer criatura das trevas é a luz, mas só uma luz forte poderia matar um de imediato, a minha não era forte assim, mais era o suficiente para cega-lo. A criatura urrou de ódio, seus gritos agudos encheram o local por todos os lados, aproveitei esse momento e corri em sua direção desembainhando minhas duas facas de combate, deslizei no meio de suas pernas e as cortei na lateral, com sorte, acertaria o tendão de Aquiles. Levantei por trás e deixei dois imensos cortes cruzados em suas costas, em uma tentativa de defesa a criatura lançou uma cotovelada giratória, no último segundo abaixei e rolei para frente, ficando cara a cara com o espectro, mas ele ainda estava cego, dei mais dois cortes em seu peito com o dorso e dei um mortal para trás, em seguida peguei impulso e lancei um chute duplo nos peitos da criatura que bateu contra o canto da parede, aproveitei esse momento e esfaqueei o máximo de vezes que consegui. A criatura não teve chances e ficou no chão agonizando, abaixei para ficar na sua altura.

  - Não sei se você me entende, mas o seu erro foi me subestimar. – Falei com calma. Não conseguia ver o rosto do espectro, mas sabia que estava olhando para mim. – Sua intimidação não funciona comigo seu nojento, até porque não era você que estava caçando, era você que estava sendo caçado.

   O espectro tentou se mexer, mas era tarde para ela. Com um rápido movimento passei minha lamina branca em sua garganta e aquele foi o fim daquela criatura.

   - Trinta segundos, foi o tempo que levei para mata-lo. – Pensei. – Trinta segundos, tempo de mais, tempo demais. Tenho que ser mais rápida.
Em meio das minhas anotações mentais, meus pensamentos voltaram para aquele rapaz. Quem era ele? Ele era bonitinho.

   - Deixa de ser idiota – Pensei.

Your Reply