Um bom filho a casa retorna.


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                                        Capítulo 5.




          Há pouco mais de 3 dias descobri que eu tinha um dom especial, que eu iria participar de uma luta que não escolhi participar, que deveria abandonar tudo o que conhecia para seguir rumo ao desconhecido se eu quisesse continuar vivo e quando digo que teria que abandonar tudo, realmente é tudo.

          Engraçado como são os humanos, sempre achei minha vida e própria existência um lixo, repudiava tudo o que acontecia comigo, me condenei tantas vezes por não tentar mais, estudar mais, acreditar mais... perdi a conta de quantas vezes eu sonhei em fazer algo diferente ou quantas vezes chorei escondido e pedindo à Deus uma oportunidade de mudar minha vida. Mas finalmente quando o pedido foi aceito e a prece ouvida, agi como todo ser humano irracional faria, fiquei com medo. Mesmo que essa vida fosse um lixo, não queria abandona-la e começar do zero, minha alma estava fincada na carne, tão presa como uma bola de ferro à um escravo que não consegue voar e ser livre. Lixo ou não, era tudo o que eu conhecia e algo dentro de mim não queria abandonar essa zona de conforto, na verdade, eu tinha medo. Mas no fundo do que, tinha medo de perder minha família, não era grande, não era rica ou muito menos conhecida, mas era meu alicerce neste mundo, o que mantinha meus pés ao chão, quando eu caía e precisava de ajuda para me recompor, eles estavam ali para me dar apoio e era disso que eu não queria me despedir disso.

          Estava cansado e preocupado, tinha que ir vê-los de alguma forma, tudo aquilo era muito para mim, essa história de sobrenatural, luz, trevas, dia e noite. Resolvi que tinha fugir daquele local e ir encontra-los, ao menos uma ultima vez, então esperei anoitecer para tentar sair. Aparentemente já estava bem tarde, não tinha ideia de que horas deviam ser, toda a casa estava silenciosa, vesti minha roupa e levantei, a sala estava escura, assim como o resto da casa, olhei em direção ao último quarto e estava em repleto silencio, nenhum sinal do velho ou alguma outra alma além de minha naquela casa. Fui até a porta da sala, desde que eu cheguei, não tinha mais visto a luz do dia. Abri a porta e para minha surpresa não estava trancada.

- como ele diz que a casa é segura se ele mesmo não aprendeu a trancar a porta? – Pensei.

          Ao sair, percebi que a casa era realmente isolada, ficava no meio em uma pequena floresta de mata fechada, em cima de um morro ou talvez uma montanha, mas não era longe da cidade, dava para ver de longe as luzes coloridas que iluminavam o céu noturno. O ruim disso tudo é que eu teria que descer até a base e depois pensar no que fazer. Comecei a andar pelo mato, e depois de alguns minutos encontrei uma trilha, mesmo no escuro não foi difícil caminhar por ela, tirando alguns tropeços. Após algum tempo de caminhada, não sei exatamente quanto tempo, cheguei aos pés da montanha, então comecei a achar estranho o velho não ter vindo atrás de mim, onde será que ele tinha ido para não perceber a minha ausência?

          A trilha me levou até uma longa e larga estrada, olhei para os dois lados e cheguei na conclusão de que não fazia a mínima ideia de onde eu estava, fui caminhando pelo acostamento para o lado que levaria mais próximo da grande metrópole. Caminhei durante meia hora até que finalmente passou um ônibus, para minha sorte, passava próximo ao meu bairro. Após subir na condução, percebi que estava um pouco longe de casa, mais ou menos 1 hora de viagem. Minha cabeça estava uma bagunça, mas meus pensamentos sempre iam para minha família, morava com minha mãe, minha avó e uma irmã pequena, sabia que mesmo se eu não fizesse falta para o resto do mundo, pelo menos para elas três eu faria.
       
          O caminho até em casa era demorado e eu estava cansado da descida, resolvi encostar a cabeça na janela e cochilar um pouco, não demorou muito e eu já estava completamente apagado. Comecei a ter sonhos, eram flashes de luzes coloridas e barulhos altos que pareciam trovoadas, de repente eu vi uma garota correndo, ela não parecia assustada, mas alguma coisa a perseguia, ela corria por uma cidade aparentemente abandonada, parecia com aquela em fui atacado, ela correu por meio de ruas e becos, parecia não saber para onde ia, mas se movia com maestria e leveza, após correr bastante em um ritmo acelerado e bem marcado, avistou um prédio grande, sem medo algum, adentrou o prédio, era muito escuro e eu não conseguia ver direito ali, percebi a silhueta da garota escondida em um dos cantos, estava agachada e atenta, algo brilhava em suas mãos, era um brilho fraco e fosco, uma faca ou talvez uma espada, não sei ao certo. De repente, o local começou a ficar gelado, um vulto escuro de aparentemente 1,80 de altura ou mais, apareceu na sala, vestia uma capa longa e escura, meio rasgada, não cobria todo o seu corpo, dava para ver que era forte e sombrio, um capuz cobria o rosto, deixando só a silhueta e alguns longos fios de cabelo que escapavam, era um espectro, um ser do mal, nem vivo e nem morto, um ser feito somente de matéria negra. Ele Começou a procurar a garota no saguão do prédio, parecia que até ele estava com dificuldades de enxergar alguma coisa naquele lugar, começou a arrancar e jogar longe qualquer tipo de proteção onde alguém poderia se esconder, até que por fim, reparou em um canto, e com uma velocidade fulminante atacou o lugar, mas para minha surpresa e para dele também, não tinha nada ali, estava vazio, foi quando uma luz muito forte de aspecto violeta o atingiu, em instantes a sala estava iluminada e garota correu para cima dele, foi ai que percebi, ela não tinha se escondido e sim armado uma emboscada, pensei o tempo todo que estava sendo caçada, mas era justamente ao contrario, ela estava caçando...

          Acordei suado, aquilo tinha sido muito real para um sonho, as poucas pessoas que estavam no ônibus olharam para mim assustadas, aparentemente eu estivera falando em quanto dormia, tentei manter tranquilidade, já não estava tão longe do meu destino, se eu tivesse dormido mais um pouco, teria perdido o meu ponto. Desci duas paradas depois e já conseguia ver a minha casa de longe, fui andando calmamente e já me sentia feliz só de estar ali. Faltando poucos metros, comecei a me sentir estranho, lembrei do alerta do velho, que eu estava sendo caçado e que era perigoso chegar próximo daqueles que eu amo, mas ao mesmo tempo que eu queria esquecer tudo aquilo, também queria ouvi-lo.

          Por instinto percebi que não estava sozinho, comecei a olhar ao redor. Sabia por experiência que não ver nada em volta, não significava que realmente não tinha nada ali, a contragosto, comecei a me afastar de casa, o mais rápido que conseguia, rezava para que não tivessem percebido que ali perto estava toda a minha família. Não sei o que estava atrás de mim, mas sentia que estava muito perto, em menos de um segundo o cenário mudou, eu estava novamente naquela cidade abandonada, mas precisamente em frente a praça. Não conseguia acreditar que tinha voltado para aquele local, assim de maneira tão repentina. Tentei desviar daquele local maldito algumas vezes, correndo pela rua ou beco mais próximo, mas sempre que chegava no final, voltava para o mesmo local, a praça, senti que estava andando em círculos. Sem ter para onde ir, fui para o único lugar que qualquer pessoa na minha situação teria evitado, o centro, infelizmente não tinha escolha. Dessa vez, sentei em um banco e esperei pelo pior, olhei ao redor e não vi sinais de luta, sera que era o mesmo lugar?

          Percebi que ao respirar, saia uma fumaça da minha boca, era a combinação do contato do ar quente com o ar gelado do ambiente, a temperatura havia caído e eu não tinha nem notado, o ar ficou rarefeito, estava ficando difícil de respirar. Um vulto apareceu, ele tinha capa preta, semi rasgada, seus braços e pernas descobertos eram bastante definidos, pálidos e de aspecto sombrio, era isso que tinha visto dentro do ônibus. Levantei devagar encarando o espectro, dessa vez eu não tive medo, acho que sobrevier ao oculto uma vez foi suficiente para me deixar mais corajoso, a coisa veio andando em minha direção, aparentemente não tinha armas, como seu rosto era completamente coberto pelo capuz, não dava para ver sua expressão, se é que realmente eu queria ver. Faltando pouco menos de 1 metro entre o monstro e eu, ele parou, parecia estar me analisando, não ousei me mexer, qualquer movimento brusco poderia ser o convite para a criatura me atacar. Dessa vez o pior não aconteceu, a criatura olhou para o outro lado de repente, parecia ter ouvido algum barulho e saiu correndo, pulando e escalando o primeiro prédio a frente em uma velocidade incrível, se eu tivesse tentando correr daquela coisa, não teria conseguido escapar, era impressionante ver aquela velocidade, o que será que ela tinha percebido que era mais interessante do que me matar?
       
          Acho que foi loucura, mas minha curiosidade falou mais alto do que a razão, corri na direção que o espectro foi, imaginei que voltaria para praça, mas não aconteceu. Depois de um tempo correndo, sai em frente a um prédio grande e escuro, o prédio do meu sonho, quando pensei em entrar, uma luz muito forte saiu do interior do lugar me deixando cego por alguns instantes, quando abri os olhos, estava novamente no bairro da minha casa, mas tinha algo estranho, tinha barulhos de sirenes, pessoas gritavam por todos os lados, não estava entendo mais nada. Tudo estava vindo na direção da minha casa, corri  na direção da multidão das pessoas curiosas, estavam em frente da minha casa.

- Fogo! - Alguém gritou.

          Minha casa estava pegando fogo, por instante esqueci do que acontecido e corri em direção a minha para tentar ajuda, mas alguém me segurou. Era o velho, por algum motivo ele estava ali, sempre aparecendo nos momentos mais cruciais.

- Calma garoto, você não pode ir. Você não pode ir, eles vão ver você. - Disse com um tom de urgência.

- Minha família esta lá dentro, eles são tudo o que tenho. Eu tenho que ir, me solta, me solta droga. - Gritei

- Rapaz, preste atenção. Sua família esta bem, olhe, olhe ali. - Disse segurando o meu rosto para que eu mantivesse o foco.

          Olhei com dificuldade para onde ele apontou, meus olhos estavam cheios de lagrimas, o que dificultava ver as coisas com clareza, percebi que três pessoas paradas, perto de um dos carros de policia, minha mãe, minha avó e minha irmã. Ver elas tês foi um alivio enorme para meu coração.

          - Garoto, eu falei para você não voltar. Eu disse que você era um alvo e que eles iriam atacar qualquer pessoa próxima a você, graças a sua teimosia elas quase morreram. - O velho falava em um tom seco. - Sorte que quando voltei para casa e percebi que você não estava, imaginei que você viria até aqui, então vim o mais rápido possível e consegui cheguei a tempo de salvar sua família e eliminar quem estava te seguindo. Agora elas estão seguras, mas tempos que sair daqui agora.

          - Como você sabe onde eu morava? - Questionei ao velho. - Eu nunca mencionei isso a você.
          - Calma rapaz, uma coisa de cada vez, vou explicar tudo para você, mas não aqui e não agora. Disse. - Vamos.

...

          Olhei para minha casa pegando fogo e para minha família desamparada, aquela imagem partia o meu coração, não conseguia conter as lagrimas que desciam o meu rosto, queria esta ali com elas, abraça-las e dizer que esta tudo bem, mas não podia. A minha teimosia quase as matou, elas não mereciam passar por isso, como se não bastasse a dor que deviam estar sentindo por causa do meu desaparecimento repentino. Não podia deixar elas sofrem mais, eu tinha que me afastar, só assim as protegeria. Antes de eu desaparecer entre as pessoas curiosas que estavam no local, olhei para minha mãe e falei em pensamento o quanto eu as amava, queria dizer que estava tudo bem e para elas não se preocuparem comigo, então ela olhou na minha direção, seu rosto se iluminou, mas não tive como ter certeza se ela havia sentido minha presença ali ou não. No fundo, queria acreditar que sim. Ao sair, senti que não voltaria para minha casa tão cedo, me despedi silenciosamente e fui embora.

          - Qual é o seu nome, senhor? - Perguntei.
          - Senhor? - Estranhou por causa da minha repentina lucidez de educação. - Porquê você quer saber somente agora? depois de tês dias?
          - O senhor já me uma vez e salvou minha família agora, devo meu respeito para você.
          - Meu nome é Ferraz, Celso Ferraz. - Disse com um tom orgulhoso.

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