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Batalha na escuridão.


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                                    Tiago - Capítulo 7.




                 Após alguns minutos na escuridão, meu corpo ficou pesado e finalmente minha mente se acalmou, passei a perceber o silêncio ao meu redor e eu não sentia medo, muito pelo contrário, eu estava calmo e sereno. Sabia que Pr. Durval estava comigo. Aos poucos fui desligando minha consciência de maneira quase que automática e mergulhando cada vez mais na escuridão do meu subconsciente, foi como cair dentro de um longo e escuro abismo, sentia como se meu corpo estivesse em queda livre, mas aquilo não era ruim, era quase libertador, como seu eu estivesse voando por alguns instantes.
O tempo passa diferente quando estamos desligados do mundo, o que na verdade não passou mais que alguns minutos, para mim passaram horas. Após um tempo a sensação foi se extinguindo, voltei a sentir meus pés no chão e a sensação de queda foi dissipando, abri os olhos lentamente e aos poucos voltei a ter consciência do meu ser e do que estava ao meu redor. Fiquei surpreso ao perceber que não estava mais na pequena sala e sim no cenário do meu sonho, um lugar sombrio coberto por nevoa, muito grande, não se via nada além de três ou quatro metros. Estar naquele cenário me trazia péssimas recordações, de imediato lembrei da minha esposa, o meu coração até então sereno e calmo, voltou a ser coberto com dor, culpa e agonia. Cai de joelhos e cobri rosto com as mãos, comecei a chorar descontroladamente, por quê eu estava ali?

                 - Durval? Durval? Me acorde! – Gritei o nome do padre, mas não obtive resposta, Onde estava aquele padre?

                Tentei levantar, mas não consegui, minhas pernas tremiam tanto que era difícil manter o equilíbrio. Respirei fundo e olhei ao redor tentando procurar um ponto de conforto, nada, só o vazio. Mas eu tinha que manter o controle de alguma maneira, gritei internamente o meu próprio nome, não podia deixar que o medo me dominasse. Forcei-me a levantar, minhas pernas não obedeciam, soquei com muita força um de meus joelhos na tentativa de ativar a adrenalina através da dor, consegui ficar em pé após alguns minutos.

                Eu sabia porque estava ali, sabia que tinha que enfrentar os meus medos e anseios. Fechei meus olhos, respirei fundo e procurei a calma dentro do meu ser. Nesse momento de autocontrole, passei a escutar uma voz, uma voz doce, delicada, mas ao mesmo tempo forte e decidida, eu conhecia aquele tom, era a voz da minha esposa. Eu tinha certeza que era sua voz, nunca iria esquecer do modo que falava, de como falava o quanto me amava baixinho em meu ouvido e quando cantava... Fiquei imerso nessas lembranças e quando me dei contato, estava cantando baixinho uma de suas musicas.

                “Às vezes é preciso cair para tocar ao chão, se perder do para paraíso, ficar sozinho na escuridão. Há tanta pedra no caminho e é tão difícil caminhar, e quando tem alguém é só querendo te derrubar, à ilusão não tem remédio se você não quer acordar, é preciso cair para poder levantar...”.

                 Meus olhos ficaram marejados, mais uma vez tive vontade de chorar, mas dessa vez não era tristeza ou por medo, era saudade, saudade dos momentos maravilhosos que passamos juntos, do seu lindo sorriso e olhar confortante, da doce risada que ecoava por toda nossa casa, calor de seu corpo nos dias frios e principalmente do seu confortante abraço. Pensar nisso me fez perceber o quanto eu estava errado.  Acreditei que estava sozinho esse tempo todo, que minha esposa tinha ido para longe, onde só poderia encontra-la depois da minha morte, eu estava errado, muito errado, ela sempre esteve comigo, ficou guardada no lugar mais seguro que eu conhecia, em um lugar tão protegido que nada e nem ninguém poderia tira-la de mim outra vez, estava tão protegida que eu mesmo esqueci desse lugar, mas foi necessário só abrir os meus olhos e procurar, procurar dentro do meu coração. Sua voz ficou mais alta e nítida, a coragem voltou a crescer em meu interior, sem abrir os olhos, andei na direção que vinha à voz que eu tanto conhecia e confiava e amava, não existiam mais preocupações, não existia mais medo, simplesmente fechei os olhos e andei.

                Não sei por quanto tempo, mas andei até parar de ouvir a voz, a atmosfera tinha mudado, estava mais pesada, senti a dificuldade de respirar, então abri os olhos, o cenário não havia mudado, mas a sensação com certeza era diferente. Afinal, estava sendo vigiado, ao olhar em volta com mais atenção, pude perceber duas esferas brilhantes me observando, eram olhos. Eu de quem era e porque estavam ali, a criatura que tanto me assombrava veio me pegar, mas dessa vez eu não tinha medo.
A criatura se aproximou de mim o máximo que pode, conseguir vir o seu semblante entre a escuridão, estava encurvada, com os quatros membros tocando ao chão, sentia aqueles olhos vazios me encarando, olhando todo o meu corpo, uma sensação de calafrio percorreu minha espinha. Quando pensei que iria ser atacado, a criatura voltou e se escondeu nas sombras, fiquei na dúvida durante alguns segundos, talvez tivesse ido embora? Breve engado.
                A criatura deu um salto nas minhas costas, se agarrando em mim, senti uma do lancinante no lado direito do pescoço, me joguei ao chão tentando desvencilhar de suas garras, segurei sua cabeça e puxei para frente do meu corpo arrancando suas garras da minha carne. A criatura caiu na minha frente, mas sem grande impacto, logo ficou em cima dos quatro membros e voltou a se esconder entre a nevoa e escuridão, antes de sumir por completo, pude perceber um sorriso sinistro em seus lábios, um sorriso de quem está em vantagem.

                - Você está brincando comigo seu desgraçado. - Gritei. – Você está brincando comigo? Você não vai me levar hoje.

                Senti um liquido quente e denso escorrer por meu pescoço, sangue, meu sangue. Passei os dedos na ferida e percebi que não era grande, mas doía bastante. Procurei me acalmar e tentar prever de onde viria o próximo ataque, mas era quase impossível para mim, não sabia técnicas de combate, então como poderia me defender? Comecei a pensar nos pontos iniciais de um combate.

1º Conhecer o terreno.
2º Conhecer o inimigo.
3º Saber como usar os dois primeiros ao meu favor.

                Após analisar minhas opções, percebi que estava em plena desvantagem, não conhecia o lugar, não conhecia o meu inimigo e não fazia a mínima ideia do que eu deveria fazer. Estava sem opções, então fiz o mais logico naquele momento. Corri. Se eu ficasse parado seria um alvo fácil, mas ficar em movimento não me daria muitas vantagens, mas me dava uma certa “proteção”, isso evitaria um novo ataque pelas costas e na melhor hipótese poderia ver a criatura se aproximando, afinal, ela teria que correr para tentar me alcançar, só esperava que ela não fosse tão rápida.
                Corri em qualquer direção, realmente não importava para onde eu iria, não haviam muros ou qualquer obstáculo nesse lugar, teria uma corrida livre, não corri mais de quinze metros antes da criatura me alcançar, ela corria em grande velocidade, nesse ritmo não teria problema para me alcançar. Ao olhar para trás, percebi que a criatura estava ao meu encalço, sem avisos a criatura saltou em minha direção, em um ato de reflexo, me joguei para a direita evitando o bote, a criatura voou errando-me por pouco centímetros e rolando na minha frente, levantei aos troncos e barrancos para continuar correndo, mas não fui rápido o suficiente, a criatura deu outro pulo e agarrou minhas duas pernas, fazendo-me cair. Em um movimento rápido, a criatura escalou meu corpo no chão até ficar totalmente sobre minhas costas, senti mais uma vez algo afiado rasgando as minhas costas várias vezes seguidas, gritei de dor e raiva, dei uma cotovelada na criatura tirando-a de cima de mim. Sem ao menos levantar, pulei para cima dela, ficando por cima, comecei a soca-la em qualquer lugar do corpo, a criatura se debatia, gritava, esperneava, mas não importava o lugar que eu batia ou a força que utilizava, a criatura não parecia sentir nada, o fato de se debater e gritar era porque simplesmente não queria ficar em desvantagem.

                - Por quê? Por quê você está atrás de mim? – Gritava o mais alto que podia. – Diz seu desgraçado, diz...

                 A criatura parou de se debater, parou de gritar, continuei socando com toda força, mas mesmo assim ela continuou inerte, percebi que a criatura estava me encarando, fiquei perplexo com a situação, a criatura passou a linga escura nos lábios e deu um pequeno sorriso de satisfação, ela estava gostando?
Nesse momento de indecisão, rapidamente a criatura deu-me uma cabeçada que me fez cair para o lado de dor, a criatura ficou em pé e agarrou minha cabeça pela nuca e em seguida bateu minha cabeça contra o chão diversas vezes e assim abrindo um rasgo imenso na minha testa. Fiquei ensopado de sangue, completamente tonto e estava perdendo os sentidos, a criatura me virou e subiu mais uma vez em mim, ficou me encarando com aqueles olhos negros e pele pálida, era o fim. A criatura aproximou seus lábios em meu ouvido direito e disse algo que não consegui entender.

                 - Não consigo entender o que você diz, não consigo entender nada. – Fiquei surpreso, minha voz saiu firme e forte.

                A criatura deu uma risada sombria, dessa vez ela aproximou seus lábios na minha orelha esquerda e disse com uma voz, rouca e sibilante.

                 - Eu... a.. Matei...

                Não havia dúvidas do que eu tinha ouvido, além daquilo conseguir a fala humana, tinha acabado de admitir que havia matado o meu bem mais precioso. Em um ato de ódio, joguei a criatura para o lado, com certeza aquilo a pegou de surpresa, pela primeira vez vi um semblante diferente em sua face, além da natural maldade que sobrepunha ela. Sem perder tempo, corri em sua dição e dei um chute naquele rosto imundo, o qual fez a criatura rolar um metro para trás, ela levantou rapidamente, mas eu já estava praticamente em cima, a levantei pela cintura, senti mais uma vez algo cortar minhas costas, mas naquele momento nada me importava, joguei a criatura mais uma vez e a chutei na barriga, minha alma estava repleta de raiva e ódio, queria vingança a qualquer custo. Dizem que a vingança cega o homem, talvez fosse verdade, pois só conseguia ver o meu alvo, nada mais importava. Meu esforço não servia de nada, não importava a onde eu batia, como batia ou que força usava, não parecia surtir efeito. Como uma cobra a criatura se arrastou pelo chão, escapando de mais uma investida minha e correu para minhas costas, tentei virar o mais rápido possível, mas não foi o suficiente para ela rasgar o meu calcanhar com suas garras e me fazer ir ao chão igual um saco de cimento, fiquei de joelhos e olhei para a criatura, ela tinha vencido.

...

                O ódio não deixa o homem apenas cego, aparentemente surdo também. Eu tinha tanta raiva que não conseguia nem ver ou ouvir nada além de mim, porém quando pensei que tudo estava perdido, que não teria maneiras de reagir, eu ouvi algo... Não apenas ouvi, eu senti, senti o meu coração bater. O tempo parecia desacelerar, a cada batida que sentia, ouvia uma palavra, aos poucos consegui entender o que era.
Mil cairão ao teu lado (Tum-Tum), e dez mil, à tua direita (Tum-Tum), mas tu não serás atingido (Tum-Tum) ... Eu estava ouvindo uma parte do salmo 91.

                - Repita comigo. – Ouvi uma voz. – Repita comigo.

                 Sem perceber, comecei a repetir.

                “Aquele que habita no esconderijo do altíssimo, à sombra do Onipotente descansará. Direi do Senhor: Ele é o meu Deus, o meu refúgio, a minha fortaleza, e nele confiarei. ”

                A criatura parou de repente e começou a recuar... Estava com medo, continuei.

“Porque ele te livrará do laço do passarinheiro e da peste perniciosa, te cobrirá com as suas penas, e de baixo das suas asas estarás seguro; a sua verdade é escudo e broquel. ”

                 A criatura começou a gritar descontroladamente. Gritava em diversas línguas, inglês, português, hebraico e outras que nunca ouvi falar. Gritava para que eu parecesse, percebi que a criatura não conseguia correr, parecia presa ao chão. Levantei e recitei mais alto ainda.

                 “Não temeras espanto noturno, nem seta que voe de dia, nem peste que ande na escuridão, ou mortandade que assole ao meio-dia. Mil cairão ao teu lado, e dez mil, à tua direita, mas tu não serás atingido. Somente com os teus olhos olharas e verás a recompensa dos ímpios. ”

                 A criatura se debatia, gritava, rolava, xingava, não importava o que ela tentasse fazer, a minha voz soava como chicotadas a cada palavra lançada ao ar. Senti algo quente me envolver, olhei para o lado e a vi; minha esposa estava ao meu lado recitando aquelas palavras junto comigo, ela me olhou serenamente e juntos aumentamos cada vez mais o tom de nossas vozes.

                “ Porque tu, ó Senhor, és o meu refúgio! O Altíssimo é a tua habitação. Nenhum mal te sucederá, nem praga alguma chegara à tua tenda. Porque aos seus anjos dará ordem a teu respeito, para te guardarem em todos os teus caminhos. Eles te susterão nas suas mãos, para que não tropeces com o teu pé em pedra. Pisaras o leão e a áspide; calcaras os pés o filho do leão e a serpente. Pois que tão encarecidamente me amou, também eu o livrarei; pô-lo-ei num alto retiro, porque conheceu o meu nome. Ele me invocara, e eu lhe responderei; estarei com ele na angustia; livrá-lo-ei e o glorificarei. Dar-lhe-ei abundancia de dias e lhe mostrai a minha salvação. ”

                Ao terminar, percebi que a criatura não mais gritava, estava inerte ao chão, não foi necessário me aproximar para perceber que estava definitivamente morta. Não sei ao certo o que aconteceu, mas ela não resistiu ouvir aquele salmo, entendi que a melhora arma contra as trevas e utilizar a luz. Ler aquela escritura não só venceu a criatura, como também começou a transformar aquele lugar, tudo estava se transformando, a nevoa se dissipou e a escuridão começou a clarear, em um piscar de olhos, tudo era claro e vivo, ao olhar em volta conseguia ver vários tipos de cores, já não estava entre à escuridão.  Procurei em volta por minha esposa, o medo de que eu a tivesse imaginado era muito grande, mas ela ainda estava ali.

                 - Oi. – Ela me disse.
                 - Oi. – Respondi sem conter a emoção. – Você realmente está aqui?
                 - Sim, estou. – Respondeu.
                 - Mas isso é impossível, eu enterrei você.
                 - Por quê? Por quê é impossível?

                 Ela encostou a sua mão em meu rosto e pude sentir seu toque suave, a abracei com tanta força que poderia a ter esmagado, mas não importava, não a deixaria partir nunca mais. Em certo momento ela puxou meu rosto em encontro ao seu, seus olhos estavam molhados, o meus também estavam, ficamos nos encarando durante algum tempo, até que em certo momento quebrei o silencio.

                 - Por que você partiu? Por quê você foi embora e eu tive que ficar sozinho.
                 - Silencio, nem você ou eu poderíamos ter feito alguma coisa para mudar isso. – Disse em um tom sereno. – Simplesmente é assim que devia acontecer.
                 - Me perdoe por não ter acreditado em você, eu devia ter ouvido.
                 - Eu não tenho o que perdoar, você não teve culpa de nada, tudo aconteceu da maneira que deveria ser. – Disse. – Você não pode continuar se martirizando com isso, eu quero que você viva, que você lute, um dia nos encontraremos de novo.
                 - Eu não quero esperar, que você fique comigo para sempre.
                 - Não posso, não pertenço mais ao seu mundo, você sabe disso. Além do mais, você tem algo importante para fazer.
                 - Não posso perder você outra vez.- Não conseguia controlar a emoção da minha voz.
                 - Meu amor eu nunca sai do seu lado... Mesmo quando você não me via.

                 Ela aproximou os lábios do meu ouvido e disse o que eu tanto queria ouvir.

                 - Eu te amo...
                 - Eu também te amo...

                 - Rapaz é muito bom saber que você me ama, mas nós não estamos aqui para que você se declare a mim. – Disse Pr. Durval.

                 Olhei assustado e percebi que estava novamente na sala escura, olhei para o relógio e percebi que não tinha passado mais que cinco minutos. Levantei da cadeira e fui em direção a porta.

                 - Está desistindo garoto? – Falou o padre.
                 - Não, mas já encontrei o que procurava.

                 Fechei a porta atrás de mim.

...

Caçada à meia noite.


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                              Luíza - 1º Dia - Capítulo 6.


    
  - Eu sou uma caçadora, eu sou uma caçadora... eu sou uma caçadora!

  Desde pequena me sentia diferente das outras pessoas, sempre fui mais ágil, mais forte, mais inteligente, mais completa do que todos. Se alguém se dedicava para ser bom em alguma coisa, eu me dedicava ao dobro.  Tinha que ser a melhor. Não fazia isso para me engradecer ou para rebaixar os outros, mas era necessário que fosse assim, de outra maneira, não sobreviveria.
Tomei consciência dos meus talentos aos quatro anos, nessa idade, eu era superior às várias crianças mais velhas que eu. Na minha vida não tinha como ser diferente, eu tinha que ser a melhor. Minha família sempre fez parte da ordem e sempre foram os melhores. Meus pais eram os melhores guerreiros, assim como meus avós, tataravós e assim por diante, era o negócio da família e agora é a minha vez de assumir essa função.

   - Eu sou uma caçadora, eu sou uma caçadora... eu sou uma caçadora!

   Essas palavras retumbavam na minha mente como um compasso de um tambor, era o meu mantra particular desde quando comecei a ser treinada. Ao longo dos anos, aprendi todo tipo de técnica de combate, percebi com o tempo que não existia uma arte que fosse superior a outra, cada uma tinha seu um ponto forte ou fraco, percebi que ao combina-las, uma passava a suprir o que faltava na outra, então assumi essa postura e aos poucos fui completando essas lacunas, até chegar em um ponto que minha técnica de combate era temida por muitos e admirada por poucos, eu tinha o melhor ataque e a melhor defesa de todos os guerreiros. Mas o que mais me agradava, era caçar. Meu Pai, Vinicius. Me levou pela primeira vez em uma floresta aos 12 anos, no início não gostava muito dessa atividade, mas logo tomei gosto por isso. Aprendi com meu pai a montar armadilhas, como me camuflar em qualquer terreno, encontrar rastros e o meu ponto principal, fingir que eu sou a presa quando na verdade eu sou a caçadora, adorava isso. Meu nome é Luiza Fonttanele.

...

   Há três dias tenho atravessado o véu procurando alguém que com certeza não conheço, tenho sonhado com ele todas as noites. Um rapaz parado em uma praça com um espectro o observando, com certeza ele vai mata-lo, mas o rapaz não tenta fugir, fica encarando-o também. Os espectros não sentem pena de nada, por onde passam deixam um rastro de morte e destruição. Atacam qualquer pessoa, velho, jovem ou criança, isso não interessa, eles só se importam com uma coisa, saciar sua vontade de matar. Sinceramente, não sei porque estou fazendo isso, mas toda vez que tenho esse sonho, que vejo esse rapaz, me sinto estranha, não sei dizer o que é, mas sei que tenho que ajudar, droga.
Com certeza estou ficando louca, arriscando minha vida por causa de um sonho, um sonho que não tenho certeza se é real. Sei que para nós, eles respondem muitas coisas, mas nem tudo pode ser levado ao pé da letra. Já estou há cindo dias atravessando o véu e rondando essa cidade devastada, já perdi as contas de quantas vezes me escondi ou tive que lutar com alguma criatura sombria na busca desse rapaz.

          - Droga, droga, droga. Mil vezes droga. – Grunhi.

Estava cansada, não tinha mais desculpas para dar aos meus superiores por causa dos meus repentinos desaparecimentos, cinco noites seguidas? O que eu iria falar dessa vez? Minhas frases elaboradas de desculpas esfarrapadas estavam acabadas.

   - Essa é última vez que venho aqui. – Pensei. – Com certeza isso é apenas um sonho bobo de menina, se tivesse que acontecer algo, já teria acontecido.

   Maldita boca, senti um calafrio justo nesse momento. Calafrios nunca são bons sinais. Calafrios significam duas coisas, a primeira é que a temperatura caiu de maneira brusca, graças a isso, vou sentir muito frio e não trouxe nenhum casaquinho e a segunda, não menos importante, queda brusca de temperatura, significa manifestações ou seja, em algum lugar próximo havia algum demônio, uma pessoa sensata não iria atrás de um, como sou uma dessas pessoas, com certeza eu também não iria, mas dessa vez a minha voz interior, estava mandando eu ir, tentei não dar ouvidos, mas ela estava muito persistente.

   O frio se intensificava para o norte, quando mais eu ia nessa direção, mais o calafrio aumentava. Essa sensação é incomoda mas passageira, a verdade é que essa é uma reação natural do corpo para pressentir que tem alguma coisa errada, as pessoas que avaliam mal ou não confiam em seus sentidos, mas eu não. Não tinha tempo a perder, então fui o mais rápido que pude, confesso que se tivesse demorado um pouco mais, teria estragado tudo. Não consegui ver o que aconteceu antes, mas cheguei a tempo de um ver um rapaz moreno encarando um espectro de perto, eles estavam a pouco mais de um metro de distância, o suficiente para o espectro arrancar a pele do seu corpo.

   - Porquê ele não o matou ainda? Pensei – Isso não é normal, parece que está estudando, mas eles não fazem isso.

   Não tinha muito tempo para pensar na resposta da minha própria pergunta, tinha que fazer algo antes que a curiosidade do espectro acabasse. Em pouco mais de três segundos, analisei todas as minhas opções, não tinha como chegar até os dois em menos de cinco segundos, esse tempo é suficiente para que o rapaz vire uma bola de carne nas mãos do espectro, e mesmo que eu conseguisse chegar a tempo, não teria como me esconder e atacar um deles de frente e muito arriscado, até mesmo para mim, tirando que a presença daquele rapaz me deixaria nervosa. Tive que fazer a coisa mais sensata naquele momento, atrai-lo para mim.
Olhei para o chão e encontrei uma pedra de acostamento, relativamente grande e pesada o suficiente para fazer um grande barulho e um grande estrago, passei a vista nos prédios próximos, procurando uma janela intacta, algo relativamente difícil naquele mundo, no terceiro andar do prédio a direita, tinha uma janela que estava parcialmente quebrada, teria que servir. Mirei e atirei a pedra com toda minha força para que fosse obvio a direção do barulho. O monstro olhou de imediato ao seu redor procurando a origem do som, infelizmente não tinha sido suficientemente alto para atrai-lo de imediato, mas eu tinha a segunda opção, deixei exalar do meu corpo uma sensação, uma sensação de medo que eu sabia muito bem transmitir, aquilo com certeza iria atrair o espectro. Ao farejar o meu medo a criatura pareceu acordar, ela sabia de onde estava vindo e que naquela direção tinha um ser indefeso com medo e que seria uma presa fácil, rapidamente a criatura correu em alta velocidade atrás de mim.

  - Ótimo, agora eu sou a caça. – Sorri internamente.

   Corri o mais rápido possível para tentar escapar, tinha que encontrar um local em que pudesse me esconder, esconder minha presença, o único problema é que a criatura é rápida, tão rápida como uma chita ou um guepardo, então não teria chance se eu corresse em linha reta, teria que correr em ziguezague. Voltei pela mesma rua e dobrei a primeira direita em alta velocidade, dando um chutinho na parede para não bater de cara, pulei por cima de alguns obstáculos tentando ganhar tempo, sabia que a criatura estava atrás de mim, mas não tinha como me dar o luxo de olhar para conferir. Corri com todas as forças, mas algo estava errado, não estava sentindo a sua presença, sem perder velocidade, virei em outra esquina à esquerda, tinha um pedaço de espelho quebrado em um canto, passei correndo a toda, mas minha visão periférica viu algo que me deixou pasma.

   - Esse desgraçado está vindo pelo alto. – Gritei. – Droga, droga, droga, mil vezes droga.

   Com certeza ele não sabia brincar, pensei que correria atrás de mim pelas ruas e seria relativamente fácil escapar por ali, eram pequenas e com bastante obstáculos atrapalhando uma corrida livre, mas o espectro era muito esperto, pulando de prédio em prédio, ele não teria que se preocupar com esses detalhes, só precisava me ultrapassar por cima e dar um bom pulo na minha frente para acabar com a minha festa, mas eu não iria facilitar as coisas, não mesmo. Parei de supetão e mergulhei pela primeira janela que encontrei ao meu alcance, dei um rolamento para não me machucar, se ele iria por cima, eu iria por dentro dos prédios.

   - Esse jogo dá para dois, bonitão. – Ri amargamente.

   Não sabia o que poderia encontrar por dentro, mas não importava, iria passar tão rápido que mesmo se tivesse algo ali, só veria o meu vulto passando. Corri por dentro saguão, tentando diminuir o tempo o mais rápido possível, não foi uma passagem complicada, não tinha quase nada dentro que pudesse me atrapalhar, pulei por uma janela de fundos e sai em uma rua larga, mas não fiquei preocupada, atravessei sem parar um segundo e me joguei contra a porta de uma loja que cedeu com facilidade, tudo ali estava podre e decrepito. Atravessei mais uma vez o interior do prédio sem nenhum problema, saí por uma porta de fundos, que me deixou em uma viela que desembocava em uma grande encruzilhada, em frente tinha um enorme hotel, imaginei que devia ter um enorme hall e muitos lugares para ficar escondida. Atravessei a longa rua até a entrada, antes de entrar dei uma olhada rápida e vi a criatura pulando de um terraço no início da rua, meu plano tinha dado certo. Ao entrar no primeiro prédio, o espectro perdeu meu rastro, então ganhei uma boa vantagem contra ele.

   Com uma rápida averiguada do local, percebi os melhores locais para me esconder e armar um plano de ataque. O hall do hotel era grande, muito grande. Em 3 segundos achei o lugar perfeito e com mais sete segundos bolei um plano de ataque.

   - Dez segundos? Droga, muito lento, tenho que ser mais rápida. – Pensei com raiva.

   A criatura chegou arrebentando a entrada do hotel. Ela fez isso não para se amostrar, mas para deixar o que ele estivesse caçando com medo. O espectro foi até o meio do hall como se não temesse nada, olhou em volta e não me viu, estava tudo indo conforme o meu plano. Novamente deixei exalar meu sentimento de medo, a criatura de imediato virou na minha direção e correu para o contato em que estava escondida, mas eu não estava mais lá. Nesse meio tempo, contornei o balcão e fui para as costas da criatura, deixei ela exatamente a onde eu queria, encostada no canto onde não teria para onde fugir ou se esquivar. Lancei um dos meus talentos no espectro, a Luz purpura, esse ataque o deixaria cego por alguns instantes. O maior ponto fraco de qualquer criatura das trevas é a luz, mas só uma luz forte poderia matar um de imediato, a minha não era forte assim, mais era o suficiente para cega-lo. A criatura urrou de ódio, seus gritos agudos encheram o local por todos os lados, aproveitei esse momento e corri em sua direção desembainhando minhas duas facas de combate, deslizei no meio de suas pernas e as cortei na lateral, com sorte, acertaria o tendão de Aquiles. Levantei por trás e deixei dois imensos cortes cruzados em suas costas, em uma tentativa de defesa a criatura lançou uma cotovelada giratória, no último segundo abaixei e rolei para frente, ficando cara a cara com o espectro, mas ele ainda estava cego, dei mais dois cortes em seu peito com o dorso e dei um mortal para trás, em seguida peguei impulso e lancei um chute duplo nos peitos da criatura que bateu contra o canto da parede, aproveitei esse momento e esfaqueei o máximo de vezes que consegui. A criatura não teve chances e ficou no chão agonizando, abaixei para ficar na sua altura.

  - Não sei se você me entende, mas o seu erro foi me subestimar. – Falei com calma. Não conseguia ver o rosto do espectro, mas sabia que estava olhando para mim. – Sua intimidação não funciona comigo seu nojento, até porque não era você que estava caçando, era você que estava sendo caçado.

   O espectro tentou se mexer, mas era tarde para ela. Com um rápido movimento passei minha lamina branca em sua garganta e aquele foi o fim daquela criatura.

   - Trinta segundos, foi o tempo que levei para mata-lo. – Pensei. – Trinta segundos, tempo de mais, tempo demais. Tenho que ser mais rápida.
Em meio das minhas anotações mentais, meus pensamentos voltaram para aquele rapaz. Quem era ele? Ele era bonitinho.

   - Deixa de ser idiota – Pensei.

Um bom filho a casa retorna.


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                                        Capítulo 5.




          Há pouco mais de 3 dias descobri que eu tinha um dom especial, que eu iria participar de uma luta que não escolhi participar, que deveria abandonar tudo o que conhecia para seguir rumo ao desconhecido se eu quisesse continuar vivo e quando digo que teria que abandonar tudo, realmente é tudo.

          Engraçado como são os humanos, sempre achei minha vida e própria existência um lixo, repudiava tudo o que acontecia comigo, me condenei tantas vezes por não tentar mais, estudar mais, acreditar mais... perdi a conta de quantas vezes eu sonhei em fazer algo diferente ou quantas vezes chorei escondido e pedindo à Deus uma oportunidade de mudar minha vida. Mas finalmente quando o pedido foi aceito e a prece ouvida, agi como todo ser humano irracional faria, fiquei com medo. Mesmo que essa vida fosse um lixo, não queria abandona-la e começar do zero, minha alma estava fincada na carne, tão presa como uma bola de ferro à um escravo que não consegue voar e ser livre. Lixo ou não, era tudo o que eu conhecia e algo dentro de mim não queria abandonar essa zona de conforto, na verdade, eu tinha medo. Mas no fundo do que, tinha medo de perder minha família, não era grande, não era rica ou muito menos conhecida, mas era meu alicerce neste mundo, o que mantinha meus pés ao chão, quando eu caía e precisava de ajuda para me recompor, eles estavam ali para me dar apoio e era disso que eu não queria me despedir disso.

          Estava cansado e preocupado, tinha que ir vê-los de alguma forma, tudo aquilo era muito para mim, essa história de sobrenatural, luz, trevas, dia e noite. Resolvi que tinha fugir daquele local e ir encontra-los, ao menos uma ultima vez, então esperei anoitecer para tentar sair. Aparentemente já estava bem tarde, não tinha ideia de que horas deviam ser, toda a casa estava silenciosa, vesti minha roupa e levantei, a sala estava escura, assim como o resto da casa, olhei em direção ao último quarto e estava em repleto silencio, nenhum sinal do velho ou alguma outra alma além de minha naquela casa. Fui até a porta da sala, desde que eu cheguei, não tinha mais visto a luz do dia. Abri a porta e para minha surpresa não estava trancada.

- como ele diz que a casa é segura se ele mesmo não aprendeu a trancar a porta? – Pensei.

          Ao sair, percebi que a casa era realmente isolada, ficava no meio em uma pequena floresta de mata fechada, em cima de um morro ou talvez uma montanha, mas não era longe da cidade, dava para ver de longe as luzes coloridas que iluminavam o céu noturno. O ruim disso tudo é que eu teria que descer até a base e depois pensar no que fazer. Comecei a andar pelo mato, e depois de alguns minutos encontrei uma trilha, mesmo no escuro não foi difícil caminhar por ela, tirando alguns tropeços. Após algum tempo de caminhada, não sei exatamente quanto tempo, cheguei aos pés da montanha, então comecei a achar estranho o velho não ter vindo atrás de mim, onde será que ele tinha ido para não perceber a minha ausência?

          A trilha me levou até uma longa e larga estrada, olhei para os dois lados e cheguei na conclusão de que não fazia a mínima ideia de onde eu estava, fui caminhando pelo acostamento para o lado que levaria mais próximo da grande metrópole. Caminhei durante meia hora até que finalmente passou um ônibus, para minha sorte, passava próximo ao meu bairro. Após subir na condução, percebi que estava um pouco longe de casa, mais ou menos 1 hora de viagem. Minha cabeça estava uma bagunça, mas meus pensamentos sempre iam para minha família, morava com minha mãe, minha avó e uma irmã pequena, sabia que mesmo se eu não fizesse falta para o resto do mundo, pelo menos para elas três eu faria.
       
          O caminho até em casa era demorado e eu estava cansado da descida, resolvi encostar a cabeça na janela e cochilar um pouco, não demorou muito e eu já estava completamente apagado. Comecei a ter sonhos, eram flashes de luzes coloridas e barulhos altos que pareciam trovoadas, de repente eu vi uma garota correndo, ela não parecia assustada, mas alguma coisa a perseguia, ela corria por uma cidade aparentemente abandonada, parecia com aquela em fui atacado, ela correu por meio de ruas e becos, parecia não saber para onde ia, mas se movia com maestria e leveza, após correr bastante em um ritmo acelerado e bem marcado, avistou um prédio grande, sem medo algum, adentrou o prédio, era muito escuro e eu não conseguia ver direito ali, percebi a silhueta da garota escondida em um dos cantos, estava agachada e atenta, algo brilhava em suas mãos, era um brilho fraco e fosco, uma faca ou talvez uma espada, não sei ao certo. De repente, o local começou a ficar gelado, um vulto escuro de aparentemente 1,80 de altura ou mais, apareceu na sala, vestia uma capa longa e escura, meio rasgada, não cobria todo o seu corpo, dava para ver que era forte e sombrio, um capuz cobria o rosto, deixando só a silhueta e alguns longos fios de cabelo que escapavam, era um espectro, um ser do mal, nem vivo e nem morto, um ser feito somente de matéria negra. Ele Começou a procurar a garota no saguão do prédio, parecia que até ele estava com dificuldades de enxergar alguma coisa naquele lugar, começou a arrancar e jogar longe qualquer tipo de proteção onde alguém poderia se esconder, até que por fim, reparou em um canto, e com uma velocidade fulminante atacou o lugar, mas para minha surpresa e para dele também, não tinha nada ali, estava vazio, foi quando uma luz muito forte de aspecto violeta o atingiu, em instantes a sala estava iluminada e garota correu para cima dele, foi ai que percebi, ela não tinha se escondido e sim armado uma emboscada, pensei o tempo todo que estava sendo caçada, mas era justamente ao contrario, ela estava caçando...

          Acordei suado, aquilo tinha sido muito real para um sonho, as poucas pessoas que estavam no ônibus olharam para mim assustadas, aparentemente eu estivera falando em quanto dormia, tentei manter tranquilidade, já não estava tão longe do meu destino, se eu tivesse dormido mais um pouco, teria perdido o meu ponto. Desci duas paradas depois e já conseguia ver a minha casa de longe, fui andando calmamente e já me sentia feliz só de estar ali. Faltando poucos metros, comecei a me sentir estranho, lembrei do alerta do velho, que eu estava sendo caçado e que era perigoso chegar próximo daqueles que eu amo, mas ao mesmo tempo que eu queria esquecer tudo aquilo, também queria ouvi-lo.

          Por instinto percebi que não estava sozinho, comecei a olhar ao redor. Sabia por experiência que não ver nada em volta, não significava que realmente não tinha nada ali, a contragosto, comecei a me afastar de casa, o mais rápido que conseguia, rezava para que não tivessem percebido que ali perto estava toda a minha família. Não sei o que estava atrás de mim, mas sentia que estava muito perto, em menos de um segundo o cenário mudou, eu estava novamente naquela cidade abandonada, mas precisamente em frente a praça. Não conseguia acreditar que tinha voltado para aquele local, assim de maneira tão repentina. Tentei desviar daquele local maldito algumas vezes, correndo pela rua ou beco mais próximo, mas sempre que chegava no final, voltava para o mesmo local, a praça, senti que estava andando em círculos. Sem ter para onde ir, fui para o único lugar que qualquer pessoa na minha situação teria evitado, o centro, infelizmente não tinha escolha. Dessa vez, sentei em um banco e esperei pelo pior, olhei ao redor e não vi sinais de luta, sera que era o mesmo lugar?

          Percebi que ao respirar, saia uma fumaça da minha boca, era a combinação do contato do ar quente com o ar gelado do ambiente, a temperatura havia caído e eu não tinha nem notado, o ar ficou rarefeito, estava ficando difícil de respirar. Um vulto apareceu, ele tinha capa preta, semi rasgada, seus braços e pernas descobertos eram bastante definidos, pálidos e de aspecto sombrio, era isso que tinha visto dentro do ônibus. Levantei devagar encarando o espectro, dessa vez eu não tive medo, acho que sobrevier ao oculto uma vez foi suficiente para me deixar mais corajoso, a coisa veio andando em minha direção, aparentemente não tinha armas, como seu rosto era completamente coberto pelo capuz, não dava para ver sua expressão, se é que realmente eu queria ver. Faltando pouco menos de 1 metro entre o monstro e eu, ele parou, parecia estar me analisando, não ousei me mexer, qualquer movimento brusco poderia ser o convite para a criatura me atacar. Dessa vez o pior não aconteceu, a criatura olhou para o outro lado de repente, parecia ter ouvido algum barulho e saiu correndo, pulando e escalando o primeiro prédio a frente em uma velocidade incrível, se eu tivesse tentando correr daquela coisa, não teria conseguido escapar, era impressionante ver aquela velocidade, o que será que ela tinha percebido que era mais interessante do que me matar?
       
          Acho que foi loucura, mas minha curiosidade falou mais alto do que a razão, corri na direção que o espectro foi, imaginei que voltaria para praça, mas não aconteceu. Depois de um tempo correndo, sai em frente a um prédio grande e escuro, o prédio do meu sonho, quando pensei em entrar, uma luz muito forte saiu do interior do lugar me deixando cego por alguns instantes, quando abri os olhos, estava novamente no bairro da minha casa, mas tinha algo estranho, tinha barulhos de sirenes, pessoas gritavam por todos os lados, não estava entendo mais nada. Tudo estava vindo na direção da minha casa, corri  na direção da multidão das pessoas curiosas, estavam em frente da minha casa.

- Fogo! - Alguém gritou.

          Minha casa estava pegando fogo, por instante esqueci do que acontecido e corri em direção a minha para tentar ajuda, mas alguém me segurou. Era o velho, por algum motivo ele estava ali, sempre aparecendo nos momentos mais cruciais.

- Calma garoto, você não pode ir. Você não pode ir, eles vão ver você. - Disse com um tom de urgência.

- Minha família esta lá dentro, eles são tudo o que tenho. Eu tenho que ir, me solta, me solta droga. - Gritei

- Rapaz, preste atenção. Sua família esta bem, olhe, olhe ali. - Disse segurando o meu rosto para que eu mantivesse o foco.

          Olhei com dificuldade para onde ele apontou, meus olhos estavam cheios de lagrimas, o que dificultava ver as coisas com clareza, percebi que três pessoas paradas, perto de um dos carros de policia, minha mãe, minha avó e minha irmã. Ver elas tês foi um alivio enorme para meu coração.

          - Garoto, eu falei para você não voltar. Eu disse que você era um alvo e que eles iriam atacar qualquer pessoa próxima a você, graças a sua teimosia elas quase morreram. - O velho falava em um tom seco. - Sorte que quando voltei para casa e percebi que você não estava, imaginei que você viria até aqui, então vim o mais rápido possível e consegui cheguei a tempo de salvar sua família e eliminar quem estava te seguindo. Agora elas estão seguras, mas tempos que sair daqui agora.

          - Como você sabe onde eu morava? - Questionei ao velho. - Eu nunca mencionei isso a você.
          - Calma rapaz, uma coisa de cada vez, vou explicar tudo para você, mas não aqui e não agora. Disse. - Vamos.

...

          Olhei para minha casa pegando fogo e para minha família desamparada, aquela imagem partia o meu coração, não conseguia conter as lagrimas que desciam o meu rosto, queria esta ali com elas, abraça-las e dizer que esta tudo bem, mas não podia. A minha teimosia quase as matou, elas não mereciam passar por isso, como se não bastasse a dor que deviam estar sentindo por causa do meu desaparecimento repentino. Não podia deixar elas sofrem mais, eu tinha que me afastar, só assim as protegeria. Antes de eu desaparecer entre as pessoas curiosas que estavam no local, olhei para minha mãe e falei em pensamento o quanto eu as amava, queria dizer que estava tudo bem e para elas não se preocuparem comigo, então ela olhou na minha direção, seu rosto se iluminou, mas não tive como ter certeza se ela havia sentido minha presença ali ou não. No fundo, queria acreditar que sim. Ao sair, senti que não voltaria para minha casa tão cedo, me despedi silenciosamente e fui embora.

          - Qual é o seu nome, senhor? - Perguntei.
          - Senhor? - Estranhou por causa da minha repentina lucidez de educação. - Porquê você quer saber somente agora? depois de tês dias?
          - O senhor já me uma vez e salvou minha família agora, devo meu respeito para você.
          - Meu nome é Ferraz, Celso Ferraz. - Disse com um tom orgulhoso.

...

Velho Padre.


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                                 Tiago: Segundo dia. - Capítulo 4.     



          Noite após noite, eu tenho o mesmo pesadelo e cada vez fica pior. Estou em um lugar escuro, onde estou completamente imóvel devido ao medo que sinto, sempre tem uma criatura à espreita, vigiando, estudando, e ela sempre avança na minha direção, em seu olhar vazio flutua uma sede de sangue, ela quer me matar, mas sempre quando ela avança, acordo sempre com a doce e sonora voz da minha falecida esposa, mas ela não está lá e sim outra coisa sentada na ponta da minha cama, a cada dia percebo que ela está virando para mim, me pergunto o que vai acontecer quando ela virar totalmente, estou com medo de dormir. 

... 

          São 2 horas da manhã, já faz dois dias que não durmo, sinto que se eu deitar não irei mais acordar, não que me importe em morrer, mais não quero ser morto por aquilo. Após tomar alguns comprimidos para manter minha mente ocupada, percebi que não tinha nenhum tipo de bebida em casa, resolvi ir à rua para comprar, mas naquela hora seria difícil encontrar algum estabelecimento aberto. Deixei o meu apartamento decadente, cheio de sujeira espalhada, roupas, restos de comida, vidros de bebidas vazios e desci. O meu apartamento fica em uma área nobre da cidade, lembro-me de quando o compramos, minha esposa achava divino aquele charmoso bairro que fica perto da orla do mar, de dia tudo claro e movimentado, pessoas praticando esportes, correndo a beira mar, tudo parecia muito divertido, a noite as luzes coloridas deixavam o lugar lindo e agradável e um clima muito gostoso para fazer um passeio romântico na praia ou curtir um dos ótimos restaurantes que haviam por ali, mas hoje, não vejo graça em nada, para mim tudo está em preto e branco. 

          Após andar algumas quadras encontrei um bar que ainda estava aberto, pelo movimento, não parecia que iria fechar tão cedo. Entrei e pedi uma dose de uísque. Eu olhava para todas aquelas pessoas ao meu redor, se divertindo, rindo, conversando coisas idiotas que apenas um idiota acharia graça, mas lembro-me bem, eu já fui assim. Sempre fui muito bem humorado, cheio de amigos ao redor, era o centro das atenções em qualquer lugar que eu fosse, Erica fica muito enciumada, dizia que todas as mulheres ficavam me dando mole, apesar de nunca ter visto nada, também não teria como eu ver, eu tinha a mulher mais linda do mundo ao meu lado, nenhuma outra chegaria aos pés dela. Fiquei ali sentado apreciando a minha bebida e recordando nossos bons tempos, nossos namoricos ao ar livre e pensando em todas as pessoas que diziam éramos especiais, foi quando uma mulher se aproximou. Morena, alta, bonita pelo que vi de relance.

          - Oi, tudo bem? – Disse.

          Olhei para ela com um olhar bastante desinteressado e respondi simplesmente, um quase inaudível e único Oi. Não que eu quisesse ser grosseiro, mas simplesmente, nada me interessava, nada.

          - Nossa, ficou gelado de repente, acho que vou tomar uma dose igual a sua para ver se me esquenta um pouco. - Falou a mulher tentando disfarçar o quanto ficou sem jeito.

          - Qual é o seu nome? – Insistindo em estabelecer uma conversa.

          Não respondi nada, não estava interessado em conversa fiada, só queria encher a minha cara e depois ir para casa chorar as minhas magoas. 

          - Bom, se você não quer falar seu nome tudo bem, mas não faz bem um homem bonito como você se afogar na bebida, ela não vai resolver os seus problemas. Disse – Aliais, se um homem como você só está interessado em beber assim, é como dizem, é por causa de uma mul...

          - Não me lembro de ter pedido sua opinião. – Cortei secamente e lançando um olhar de canto de olho.

          Dessa vez ela não pareceu se incomodar, me fitou com atenção, deu um leve sorriso, virou para frente e falou.

          - Realmente você não pediu, mas sei que você está com enormes problemas, Problemas muito sérios, não é à toa que ele está te seguindo. - Disse.

- Ele? – Perguntei.

     Ela apontou para um canto escuro da sala, foi quando percebi alguma coisa encolhida no canto de cor acinzentada, magra e bastante ossuda e membros avantajados, bem maiores e fora dos padrões da normalidade. Tomei um susto ao reconhecer aquilo. A criatura que ficava na minha cama estava me seguindo. Levantei do banco com um gesto brusco, derrubando todos copos próximos do balcão, muitas pessoas me olharam desconfiadas e outras até assustadas tentando ver o que eu estava vendo, mas o estranho era que ninguém parecia ver aquela coisa, só eu e aquela moça. 

          - Quem é v.... – Perguntei de supetão.

          Ela não estava mais ali, olhei ao redor tentado encontra-la, não estava em nenhum lugar a vista naquele bar, perguntei ao barman se tinha visto a onde ela tinha ido, fiquei muito surpreso e confuso quando ele disse que estava sentado ali sozinho desde que cheguei. Levantei com pressa, deixei uma grana em cima do balcão e sai dali o mais rápido possível. Quando virei a primeira esquina da rua, me dei contato que onde eu ia à criatura me seguia, ela estava ali, se esgueirando pelos cantos escuros, encolhida em qualquer lugar onde pudesse ficar escondida, as pessoas passavam ao seu lado e não viam nada e a criatura não parecia se importar com outras as pessoas, ela estava espera de uma oportunidade para me pegar. 

          Fiquei desesperado, aquilo não era um sonho, não era uma alucinação, tinha que ter significado. Ainda queria acreditar que aquela criatura fosse fruto apenas da minha imaginação, nesse momento corri sem olhar para onde, não entendia porque isso estava acontecendo. Eu estava sendo bombardeado por tantas perguntas sem respostas que mal vi por onde corria, quando dei por mim, estava na frente de uma enorme catedral. Eu não tinha motivos para entrar ali, se existia um ser misericordioso que protege os humanos do céu, eu achava que não estava ali, mas algo chamou minha atenção, algo escrito em uma pequena placa: 

          "Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu darei descanso  a vocês. Tomem sobre o meu jugo e aprendam de mim, pois sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso por suas almas. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve. - Matheus 11: 28 -30."

          Senti como se fosse um recado, por um momento esqueci que eu estava sendo perseguido e resolvi entrar naquela igreja. As portas da frente estavam trancadas, mas dava para ver que uma fraca luz emanava pelo vidro da janela, não esperava que alguém estivesse acordado naquele momento, talvez fosse apenas algumas velas, mas mesmo assim eu bati. Bati uma três vezes e ninguém respondeu, bati mais algumas vezes e nada, após algum tempo resolvi desistir, mas quando estava descendo os poucos degraus que levavam a porta da igreja, uma voz interior me fez tentar outra vez. Corri e bati o mais forte que eu podia com ambas as mãos, sem perceber eu gritava para que abrissem a porta, praticamente suplicando por ajuda. 

          Talvez fosse o destino ou acaso, mas desta vez, alguém me ouviu, um velho barrigudo e de túnica amarronzada abriu a porta, parecia um franciscano. O Homem não perguntou o que eu queria, simplesmente passou direto por mim descendo a pequena escada, olhou para esquerda e depois para a direita, fez o sinal da cruz e talvez uma breve reza e voltou já me segurando pelo braço e conduzindo-me ao interior da igreja. 

          - Você está com problemas meu jovem. – Disse o padre.
          - acho que estou. – Respondi.  
          - Eu não perguntei, eu afirmei. – Disse. – Não preciso ver o que é, mas sei que algo está te seguindo, corrigindo, algumas coisas estão te seguindo. 

          Ele disse que dentro do templo eu estaria seguro, pois era um lugar sagrado, e o que estava atrás de mim, iria ficar lá fora, me esperando. Passei à noite na igreja, o padre me deixou ficar em um dos bancos, não sei em qual momento adormeci, e não lembro exatamente o que aconteceu, mas quando acordei, ele estava sentado ao meu lado, me assustei de início e levantando de supetão, por um momento tentei correr, mas percebi que era o padre sentado ao meu lado e não a criatura pálida e ossuda. Ver o padre ao meu lado me pegou de surpresa, mais do que qualquer outra coisa. Aos poucos acalmei minha respiração, o ritmo do meu batimento foi normalizando. O padre me olhava com um pequeno sorriso e um olhar tranquilo, sentei ao seu lado e prestei mais atenção para aquela figura pequenina, barriguda e careca. Ele estava com um semblante muito cansado, entendi que ele não havia saído do meu lado durante toda a noite, ficou me guardando, me protegendo e rezando por mim até o amanhecer.

          - Bom dia jovem, se sente melhor? – Perguntou. – Espero que não esteja com muitas dores por causa do banco.
          - Sim, eu dormi bem, na verdade, praticamente desmaiei. – Realmente eu estava falando a verdade, há dias que eu não dormia e graças a isso, nem percebi o quão duro ou desconfortável era o banco. 
          - Fico feliz em saber, vem, vamos tomar café e conversar sobre o motivo que nosso senhor te trouxe aqui. – Disse o padre.

          Fomos até uma pequena copa que ficava atrás do púlpito, era simples, havia uma pequena mesa redonda, uma geladeira média, um fogão pequeno e alguns armários embutidos. Em poucos minutos o doce aroma do café quentinho já tomava conta do lugar, ele preparou também um suco e em cima da mesa jazia uma forma com pães caseiros, uma vasilha de manteiga, algumas frutas e um bolo já partido. Enquanto tomávamos café, contei toda a minha história, desde o falecimento da minha esposa, sobre a criatura e até o momento que cheguei na igreja. O padre ficou quieto durante um tempo, estava ponderando sobre tudo, após levantou-se e sem dar muitas explicações, pediu que o esperasse ali, e saiu pela sacristia. Pouco tempo depois voltou, estava segurando um livro grande e de aparência velha, colocou sobre a mesa e começou a folheá-lo até parar em uma página e apontar para mim. 


          - Foi isso que você viu? – Perguntou.

          Olhei para o livro, e nele tinha o desenho em preto e branco de uma criatura sentada no que aparentava ser a ponta de uma cama, magra, ossuda de membros anormais, olhos totalmente negros. Sem dúvidas era aquilo que me seguia, olhei para o padre e assenti com a cabeça. 

          - Meu jovem, o que você viu na sua cama é um demônio muito perigoso, ele se chama rake, há relatos da aparições e ataques desta criatura por todo o mundo. 

          O padre começou a ler em voz alta a descrição contida no livro: 

          “Ela aparece quando as pessoas estão dormindo, a pessoa que é escolhida como vítima passa a ter algum tipo de ligação direta com a criatura. Tem pessoas que ficam loucas só de senti-la. Na primeira aparição a vítima dorme sente a presença de alguma coisa, mas quando acordava não via nada. Na segunda noite, ela dorme e passa a ver o formato da criatura sentada na borda. Na terceira noite, ouvia a criatura falar algo incompreensível, na quarta noite é o dia da morte. A partir desta noite, quando a vítima acorda e ver a criatura, ela será morta de uma forma horrível”.

          Senti um nó na garganta e um calafrio tomou conta do meu corpo, mas ao pensar nisso, não fazia sentindo algum toda essa história, afinal, estou vivo.

          - Se ele mata a vítima depois da quarta noite, porque ele não me matou? – Perguntei – Afinal, há meses que ele está me assombrando.
          - Não se sabe exatamente como ele escolhe ou mata as vítimas, mas a pessoa escolhida nem sempre é atacada de imediato, de acordo com os registros, a vítima só é atacada se acordar durante a noite do quarto dia e o ver. Mas no seu caso...

          O padre parou de repente, puxou a gola da minha camisa e tocou em um ponto entre o trapézio e o meu pescoço, me senti uma pequena dor na região, me afastei e olhei meio assustado.

          - Quem disse que você não foi atacado? E esta marca ai? – Perguntou. – Tire sua camisa.
          - O quê? – Perguntei.
          - Anda rapaz, tire sua camisa. – Falou seriamente.

          Tirei a camisa sem entender muito, mas quando me dei conta, estava cheio de hematomas, contusões e arranhões por todo o meu corpo, não sei como não tinha percebido, mas parecia que havia levado uma surra, abaixei a calça, ficando só de cueca, minhas pernas também estavam todas marcadas, mas o que me assustou, não havia sido a quantidade de machucados, mas apenas um em especial. Um enorme hematoma em formato de mão, marcado em minha perna esquerda. O padre ficou inquieto, ele parecia está juntando as peças, realmente ele estava. 

          - Você disse que tem sonhado com ele? – Enfim perguntou.
          - Assenti com um movimento. – Respondi.
          - E se o que você me contou não foi apenas um sonho... e sim uma das maneiras que ele ataca as vítimas? – O padre gesticulava, combinando os gestos com o que dizia – E se toda vez que ela tentava te atacar algo impedia? – O rosto do padre se iluminou. – A voz? Ela te acordou todas as noites, não foi? 
          - Eu ouvi a voz da minha esposa me chamando. – Na hora entendi o que ele queria dizer. – Isso é           impossível, ela está morta, e os mortos não se comunicam com os vivos, ainda mais tentar me proteger. 
          - Homem de pouca fé. – Falou para si. – Mesmo com tudo isso acontecendo, você ainda pensa que seja impossível? Disse. – Sua esposa vem te protegendo todo este tempo e você não percebeu, não sei dizer como ela faz isso, mas o caminho do senhor e difícil de entender e se ela está fazendo isso é porque ele quer também.
          - Padre, por muito tempo eu excluí Deus da minha vida, neguei qualquer evidencia de sua existência, abominei seu nome tantas vezes, realmente eu desisti dele, então por quê ele iria me proteger? – Falei com um tom de tristeza.
- Rapaz, você pode ter abandonado cristo, mas ele não abandonou você. – Disse. – Entenda isso de uma vez.

...

          Aquela conversa rebombou em minha mente, passei tanto tempo culpando Deus por todas as desgraças passei, o culpei por ter perdido minha esposa, para mim, ele tinha a abandonado quando mais ela precisou, ele não a respondeu quando chamava seu nome no que parecia ser um de seus acessos de loucura, e não me respondeu quando chorei baixinho em um canto, implorando para salvar minha esposa e também não respondeu quando gritei porquê ele havia levado uma pessoa tão boa e me deixado sozinho. Frequentemente questionei porque levar as pessoas boas em quanto as más ficam na terra, e mesmo carregando essa magoa, acabei vindo parar em sua casa.

          Enquanto eu tinha explosões de pensamentos, Pr. Durval falou. – Era esse o nome do dele.

          - Existe uma passagem na bíblia, que eu gosto muito e tem a ver com o que você está sentindo. – Disse.

          “Nesta vida sem sentido eu já vi de tudo: um justo que morreu apesar da sua justiça, e um ímpio que teve vida longa apesar da sua impiedade. – Eclesiastes”

          - Eu também não entendo o porquê isso ocorre meu filho, mas uma coisa é certa, Deus escreve certo por linhas tortas. – Disse. – E tenho certeza que existe um motivo para isso na sua vida, afinal, não trouxe você aqui por nada. Ele te trouxe para o lugar certo, eu sou um padre que sabe o sabe lidar com essas criaturas. – Disse olhando em meus olhos. – Eu vou ensinar a você a afastar o mal, mas isso vai depender da sua fé. Bom, você não tem escolha quanto a isso, você já está amaldiçoado, a escuridão vai te perseguir até você morrer, ou você aprende a lidar ou sucumbirá.

          Não tive tempo de escolher o que queria, na verdade, como ele deixou claro, não havia escolha para mim, mas se houvesse, eu teria escolhido aprender, eu devia isso a ela.

...

          Durval era um padre excêntrico, ele era baixo, barrigudo, tinha uma barba castanha bem cheia e era careca, mas aquele homem escondia muita coisa por de baixo da batina, quando falava, transbordava confiança. É o tipo de homem que tem conhecimento sobre muitas coisas, inclusive sobre o mundo sombrio, sabia como se defender e contra-atacar a escuridão de diversas maneiras. Ele começou meu treinamento pouco tempo depois que o conheci e desde então não sai mais da igreja, eu deveria abandonar a minha vida antiga e me entregar em uma nova, quando mais eu conhecia sobre o caminho do senhor, mais me entregava de corpo, mente e alma. 
Meu primeiro passo do treinamento foi aprender a me acostumar com a escuridão, ele me levou para o subsolo da igreja, onde existia um grande corredor, de acordo com Durval, nada é o que parece ser. Ali tinha diversas salas, cada uma para um tipo de treinamento. Tinha a sala das escrituras, onde eu passava horas lendo e aprendendo a interpretar a palavra do senhor, tinha uma sala com vários equipamentos de academia com pesos, alteres e outras coisas, mas de acordo com a forma física do padre e a poeira em cima dos equipamentos, essa sala não era utilizada a muito tempo, havia uma sala de combate, aparentemente Durval, sabia alguma coisa de artes marciais, e por fim, a sala escura, seria ali onde eu iria enfrentar meus medos e aprender a lutar com as trevas.

          Percebi que a sala era vazia, com exceção de uma cadeira, uma câmera e caixas de alto-falantes nos cantos do teto, atrás da cadeira, havia um vidro escuro, aparentemente seria um ponto de observação. 
- Antes de começar o seu treinamento, você tem que enfrentar o seu medo. Disse Durval. - Vou prender você naquela cadeira e ficar te observando atrás daquele vidro – Apontou para o canto. – A sala vai ficar completamente escura, você não poderá me ver, mas eu vejo tudo, existe uma câmera de visão noturna, então não se preocupe se acontecer algo, eu ascendo à luz e tiro você de imediato, certo?

          - Certo. – Respondi.

          Pr. Durval me prendeu na cadeira e após saiu, após uns dois minutos, sua voz soou nos alto-falantes. 

          - Tiago, você está me ouvindo? 

          Respondi que sim, assentindo com a cabeça. 

          - Não se preocupe rapaz, a sala e equipada com microfones, tudo o que se falar dentro eu vou ouvir. – Aquilo não estava me acalmando, pensei. - Mas então, você está pronto? 
          - Sim. – Dessa vez respondi com firmeza.

Tão especial.


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                                        Capítulo 3.

       


          Acordei no dia seguinte com um gosto amargo na boca e uma terrível dor de cabeça, não saberia dizer se tudo aquilo tinha sido real ou se não passava de um pesadelo. Claro, se não fosse a surpresa de ter um velho barbudo com cara de bêbado e cheirando a inhame sentado ao pé da cama.

          - Onde eu estou? – Perguntei.
          - Em um lugar seguro – disse o velho. – Lembra do que aconteceu?
          - Do pesadelo? – Eu disse.
          - Pesadelo? Não foi um pesadelo garoto. – Disse o velho com um tom seco. - Você foi atacado por um espectro e sobreviveu por pouco.- Completou.
          - Sorte sua por eu estar lá para te salvar. – Falou meio desdenhoso.

          Dei de ombros

          - Por que ele estava me seguindo? – Perguntei.
          - Normalmente eles procuram caçar os fracos, covardes, pessoas indefesas e pessoas burras o suficiente para andar sozinhas por um local escuro e deserto. – Disse

          Olhei para o velho com uma expressão furiosa, mas antes que eu pudesse falar algo, ele completou.

          - Mas eu vi como você se saiu contra aquela coisa, tenho certeza que você não se enquadra nesses critérios (Ao menos não em covarde). Você deve ter algo de diferente das outras pessoas, por isso aquilo estava te seguindo sem esconder a presença, e teria te matado se eu não estivesse lá. - Disse o velho. - Mas esse não é o momento para explicações, você ainda deve descansar.

          Após aquela breve conversa, o velho levantou e saiu sem responder a minha primeira pergunta. Tentei levantar mas era impossível naquele momento, estava muito dolorido para ficar de pé, todos os nervos do meu corpo estavam doloridos por causa do que aconteceu, então eu só tive uma escolha: Ficar e descansar.

...

          Não consegui fechar os olhos por muito tempo, tudo estava muito fresco em minha mente. Não conseguia parar de pensar quando ele disse que eu tinha algo diferente das outras Pessoas? A minha vida inteira sempre fui alguém normal, não sabia fazer nada, não tinha talento para nada, minha casa era a prova disso. Existia tantos projetos inacabados, um violão empoeirado que um dia tentei aprender e acabei largando em um canto com duas cordas arrebentadas, uma tela de pintura inacabada (apenas algumas coisas rabiscadas, que eu acreditava ser algo parecido com pintura abstrata), um livro que li até a metade, entre tantas outras coisas que nunca terminei. Realmente achava que eu era normal de mais, simples de mais e sem nenhum talento na vida, sabe, apenas mais um sobrevivendo nesse mundo e não vivendo realmente. Nunca tive ou fiz nada de importante e nem me destacava e nada, mas então porque aquilo estava acontecendo comigo? Ao mesmo tempo em que ficava assustado, algo crescia dentro de mim além da curiosidade. Eu estava animado, sentia que minha vida iria mudar, só não sabia se aquela sensação era boa ou ruim.

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          Mais tarde, já me sentia um pouco melhor, minha cabeça já não doía e minhas forças estavam voltando aos poucos. Com um pouco de esforço, levantei e resolvi andar pela casa. Eu estava em um quarto médio, tinha uma cama de solteiro, um armário de livros, uma mesinha onde estavam algumas garrafas com uns vidros que pareciam remédios e uma cadeira que estava ao lado do pé da cama (onde estava o velho).
Levantei com cuidado, apesar de me sentir melhor, minhas pernas ainda estavam bambas. Consegui chegar até a porta do quarto, onde dava de frente a sala, tinha um sofá bagunçado com algumas latas de cerveja "esquecidas" em cima, uma televisão de tubo bem antiga e uma mesinha com mais restos de comida espalhadas. Era um local bem humilde(quase um chiqueiro na verdade). Continuei andando pela casa, percebi que tinha um pequeno corredor que levava a um banheiro, uma pequena cozinha e mais a frente uma outra porta. Andei em direção a última porta do corredor, ela estava entreaberta, ouvi barulhos vindos de dentro, devagar empurrei a porta e vi o velho sentado próximo a uma mesa circular folheado alguma coisa. O quarto era cheio de papeis colados por todo o lado, no fundo tinha uma enorme parede com um mapa em grande escala, em vários pontos havia fotos coladas, cordões coloridos que ligavam certos pontos do mapa as fotos(bem estilo delegacia de polícia), continham várias informações escritas que pareciam importantes, mas de princípio não dei muita atenção

          - Já se sente melhor garoto? – disse o velho ao perceber minha presença.
          - Sim, sim, obrigado por cuidar dos meus machucados. Onde estamos? – Repeti minha pergunta ignorada anteriormente.
          - Essa é a minha casa, aqui é seguro e isolado, então não precisa ficar preocupado. Disse - Fico feliz de ver que já consegue ficar de pé, você dormiu por 2 dias inteiros, antes de acordar hoje de manhã. Não é fácil enfrentar o sobrenatural e voltar vivo.
          - 2 dias? Minha família deve estar preocupada, tenho que ir agora. – Falei com um tom de urgência e ignorando a parte do sobrenatural.
          - Não sei bem como dizer isso, mas vou tentar ser o mais claro e direto possível... Você não pode ir para casa nunca mais. Agora eles sabem o seu cheiro, se você sair, eles irão atrás de você e se não te pegarem, vão pegar e vão matar todos os que são próximos a você até te encontrar. Neste momento... você é um alvo, e não preciso explicar o que acontece com os alvos, certo garoto? – disse o velho.

          Aquilo bateu em mim como uma pedrada, minha cabeça voltou a latejar com força total. Como assim não podia voltar para casa? Só podia ser brincadeira desse coroa. As perguntas fluíam na minha mente, uma mais rápida que a outra, açoitavam minha cabeça como uma chicotada de um domador de leões, apesar de tudo, só conseguir fazer uma única pergunta.

          - Por que isso está acontecendo comigo? – Perguntei.

          O velho olhou para mim com uma expressão de piedade, dava para perceber que ele estava escolhendo com cuidado cada palavra, provavelmente não queria me deixar mais assustado do que já estava naquele momento, prosseguiu.

          - Meu jovem, o maior erro da humanidade é acreditar que podemos escolher o nosso destino, que temos o livre arbítrio, isso é uma grande farsa, uma mentira. Disse o velho olhando nos meus olhos e com um tom áspero e seco. - Isso que está acontecendo já foi decidido antes mesmo de você nascer e nada poderia mudar isso, está no seu sangue, na sua alma, sempre esteve com você marcado como uma tatuagem, se não fosse há 2 dias, poderia ser hoje, amanhã ou daqui há 1 ano, mas iria acontecer cedo ou tarde.

          O velho falava de uma maneira tão segura que era impossível não prestar atenção, seus olhos fixos em mim, mostravam verdade em cada palavra.

          - Não estou entendendo, como algo assim já estava decidido? – perguntei.

          Resolvi sentar e prestar atenção no que o velho dizia, percebi que a conversa ia ser longa e difícil para ser compreendida.

          - Você nasceu com um dom especial, algo tão puro, tão poderoso e raro que pode mudar o mundo. Graças a este dom (ou maldição, pensei), tudo o que se esconde nas trevas vira atrás de você para tentar mata-lo. Disse – Dizem que a cada segundo, há 3 nascimentos e a cada minuto nascem 180 indivíduos, não sou exagerado ao dizer que a cada 1 milhão de humanos que nascem ao redor do mundo, 100 desses nascem com algum potencial. Alguns, vão ser extremamente inteligentes, com dons maravilhosos, uns vão ser grandes artistas, outros matemáticos e físicos, ou grandes pensadores, ou seja, gênios em alguma coisa. Mais desses 100, vão nascer uma pequena quantidade de pessoas que realmente terão um dom muito especial, apesar de que ninguém vá conhece-los. Dessa pequena quantidade, dez vão conseguir desenvolver perfeitamente esse dom e destes apenas um, dois ou três conseguira sobreviver para contar história, e você esta nesse pequeno seleto grupo e justamente na parte mais difícil de todo o processo, que é a de descobrir e desenvolver essa habilidade escondida, é nesta etapa que você se torna um alvo, mesmo que você não perceba, suas habilidades estão explodindo por todo o seu corpo, mesmo que você não perceba nenhuma diferença, você esta mudando e eles perceberam isso, sentiram sua força interna em expansão. Mas o problema é que você e nem eu sabemos que tipo de dom você tem ou vai possuir, mas eles sabem que é algo perigoso, independente do que for, por isso vão vir atrás de você, vão caçá-lo sem piedade e se o encontrarem, vão mata-lo. – disse o velho.

          De repente senti um estalo na minha nuca, as coisas fizeram sentindo por um momento. Lembrei quando consegui esquivar do monstro com a corrente algumas vezes, não sabia como consegui fazer aquilo, mas pensando agora, era como se o tempo tivesse diminuído a velocidade, porque parecia que estava em câmera lenta.

          - Se eu sou um alvo e não posso mudar isso, o que tenho que fazer então? – Perguntei.
- Se adaptar a situação meu filho. Você tem que aprender a fugir, esconder sua presença até o dia que você estiver pronto para contra-atacar – Disse. – A vida vai te derrubar várias e várias vezes, mas você vai ter que aprender a levantar e seguir em frente, isso é sobreviver.

          Sabia exatamente o que ele queria dizer com isso, afinal, sobreviver era o que tinha feito durante todo esse tempo, apesar de não ter ninguém me perseguindo(ou já tinha?), cada passo que dei na minha vida, foi uma tentativa de continuar respirando, continuar lutando, Se ele estava certo, então tudo isso me levou até esse momento, mas mesmo assim, não sabia o que me esperava.

          Realmente é engraçado, até pouco tempo me achava insignificante, mas de repente descubro que sou um tipo raro de humano, Não sabia exatamente o que esperar, mas parecia que eu não tinha escolha.
          Mas tarde o velho disse que o que me atacou é chamado de impuro, o velho disse que antes, foram seres de e protegiam os humanos, mas se corromperam por algum motivo e tomaram o rumo da escuridão (algo parecido com a queda dos anjos e seu líder lúcifer, pensei.). Aparentemente sempre estão entre nós, espreitando pelos cantos, em busca de alimentos, presas fácies ou para encontrar outras entidades puras e contamina-las com sua maldade (Ele não soube me explicar como isso acontece). Só humanos com certos dons conseguem identificar o que está oculto, ou conseguem sentir sua presença e os mais bem treinados, conseguem os ver fora através do véu que cobre a visão da humanidade e podem combatê-los.
          Sabe, Toda vez que temos aquela sensação de que estão nos olhando quando não há ninguém perto, aquele calafrio ao passar em um local deserto e sente alguém te seguir ou aquele sonho que te faz acordar com o coração acelerado e a adrenalina a todo vapor, onde você acorda assustado olhando para todos os cantos do seu quarto procurando um potencial agressor e quando percebe que não há nada, você volta a deitar mas com aquela sensação de que era real. São eles nos procurando, parabéns (ou não) você pode senti-los, talvez você seja um de nós.

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