Tão especial.


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                                        Capítulo 3.

       


          Acordei no dia seguinte com um gosto amargo na boca e uma terrível dor de cabeça, não saberia dizer se tudo aquilo tinha sido real ou se não passava de um pesadelo. Claro, se não fosse a surpresa de ter um velho barbudo com cara de bêbado e cheirando a inhame sentado ao pé da cama.

          - Onde eu estou? – Perguntei.
          - Em um lugar seguro – disse o velho. – Lembra do que aconteceu?
          - Do pesadelo? – Eu disse.
          - Pesadelo? Não foi um pesadelo garoto. – Disse o velho com um tom seco. - Você foi atacado por um espectro e sobreviveu por pouco.- Completou.
          - Sorte sua por eu estar lá para te salvar. – Falou meio desdenhoso.

          Dei de ombros

          - Por que ele estava me seguindo? – Perguntei.
          - Normalmente eles procuram caçar os fracos, covardes, pessoas indefesas e pessoas burras o suficiente para andar sozinhas por um local escuro e deserto. – Disse

          Olhei para o velho com uma expressão furiosa, mas antes que eu pudesse falar algo, ele completou.

          - Mas eu vi como você se saiu contra aquela coisa, tenho certeza que você não se enquadra nesses critérios (Ao menos não em covarde). Você deve ter algo de diferente das outras pessoas, por isso aquilo estava te seguindo sem esconder a presença, e teria te matado se eu não estivesse lá. - Disse o velho. - Mas esse não é o momento para explicações, você ainda deve descansar.

          Após aquela breve conversa, o velho levantou e saiu sem responder a minha primeira pergunta. Tentei levantar mas era impossível naquele momento, estava muito dolorido para ficar de pé, todos os nervos do meu corpo estavam doloridos por causa do que aconteceu, então eu só tive uma escolha: Ficar e descansar.

...

          Não consegui fechar os olhos por muito tempo, tudo estava muito fresco em minha mente. Não conseguia parar de pensar quando ele disse que eu tinha algo diferente das outras Pessoas? A minha vida inteira sempre fui alguém normal, não sabia fazer nada, não tinha talento para nada, minha casa era a prova disso. Existia tantos projetos inacabados, um violão empoeirado que um dia tentei aprender e acabei largando em um canto com duas cordas arrebentadas, uma tela de pintura inacabada (apenas algumas coisas rabiscadas, que eu acreditava ser algo parecido com pintura abstrata), um livro que li até a metade, entre tantas outras coisas que nunca terminei. Realmente achava que eu era normal de mais, simples de mais e sem nenhum talento na vida, sabe, apenas mais um sobrevivendo nesse mundo e não vivendo realmente. Nunca tive ou fiz nada de importante e nem me destacava e nada, mas então porque aquilo estava acontecendo comigo? Ao mesmo tempo em que ficava assustado, algo crescia dentro de mim além da curiosidade. Eu estava animado, sentia que minha vida iria mudar, só não sabia se aquela sensação era boa ou ruim.

...

          Mais tarde, já me sentia um pouco melhor, minha cabeça já não doía e minhas forças estavam voltando aos poucos. Com um pouco de esforço, levantei e resolvi andar pela casa. Eu estava em um quarto médio, tinha uma cama de solteiro, um armário de livros, uma mesinha onde estavam algumas garrafas com uns vidros que pareciam remédios e uma cadeira que estava ao lado do pé da cama (onde estava o velho).
Levantei com cuidado, apesar de me sentir melhor, minhas pernas ainda estavam bambas. Consegui chegar até a porta do quarto, onde dava de frente a sala, tinha um sofá bagunçado com algumas latas de cerveja "esquecidas" em cima, uma televisão de tubo bem antiga e uma mesinha com mais restos de comida espalhadas. Era um local bem humilde(quase um chiqueiro na verdade). Continuei andando pela casa, percebi que tinha um pequeno corredor que levava a um banheiro, uma pequena cozinha e mais a frente uma outra porta. Andei em direção a última porta do corredor, ela estava entreaberta, ouvi barulhos vindos de dentro, devagar empurrei a porta e vi o velho sentado próximo a uma mesa circular folheado alguma coisa. O quarto era cheio de papeis colados por todo o lado, no fundo tinha uma enorme parede com um mapa em grande escala, em vários pontos havia fotos coladas, cordões coloridos que ligavam certos pontos do mapa as fotos(bem estilo delegacia de polícia), continham várias informações escritas que pareciam importantes, mas de princípio não dei muita atenção

          - Já se sente melhor garoto? – disse o velho ao perceber minha presença.
          - Sim, sim, obrigado por cuidar dos meus machucados. Onde estamos? – Repeti minha pergunta ignorada anteriormente.
          - Essa é a minha casa, aqui é seguro e isolado, então não precisa ficar preocupado. Disse - Fico feliz de ver que já consegue ficar de pé, você dormiu por 2 dias inteiros, antes de acordar hoje de manhã. Não é fácil enfrentar o sobrenatural e voltar vivo.
          - 2 dias? Minha família deve estar preocupada, tenho que ir agora. – Falei com um tom de urgência e ignorando a parte do sobrenatural.
          - Não sei bem como dizer isso, mas vou tentar ser o mais claro e direto possível... Você não pode ir para casa nunca mais. Agora eles sabem o seu cheiro, se você sair, eles irão atrás de você e se não te pegarem, vão pegar e vão matar todos os que são próximos a você até te encontrar. Neste momento... você é um alvo, e não preciso explicar o que acontece com os alvos, certo garoto? – disse o velho.

          Aquilo bateu em mim como uma pedrada, minha cabeça voltou a latejar com força total. Como assim não podia voltar para casa? Só podia ser brincadeira desse coroa. As perguntas fluíam na minha mente, uma mais rápida que a outra, açoitavam minha cabeça como uma chicotada de um domador de leões, apesar de tudo, só conseguir fazer uma única pergunta.

          - Por que isso está acontecendo comigo? – Perguntei.

          O velho olhou para mim com uma expressão de piedade, dava para perceber que ele estava escolhendo com cuidado cada palavra, provavelmente não queria me deixar mais assustado do que já estava naquele momento, prosseguiu.

          - Meu jovem, o maior erro da humanidade é acreditar que podemos escolher o nosso destino, que temos o livre arbítrio, isso é uma grande farsa, uma mentira. Disse o velho olhando nos meus olhos e com um tom áspero e seco. - Isso que está acontecendo já foi decidido antes mesmo de você nascer e nada poderia mudar isso, está no seu sangue, na sua alma, sempre esteve com você marcado como uma tatuagem, se não fosse há 2 dias, poderia ser hoje, amanhã ou daqui há 1 ano, mas iria acontecer cedo ou tarde.

          O velho falava de uma maneira tão segura que era impossível não prestar atenção, seus olhos fixos em mim, mostravam verdade em cada palavra.

          - Não estou entendendo, como algo assim já estava decidido? – perguntei.

          Resolvi sentar e prestar atenção no que o velho dizia, percebi que a conversa ia ser longa e difícil para ser compreendida.

          - Você nasceu com um dom especial, algo tão puro, tão poderoso e raro que pode mudar o mundo. Graças a este dom (ou maldição, pensei), tudo o que se esconde nas trevas vira atrás de você para tentar mata-lo. Disse – Dizem que a cada segundo, há 3 nascimentos e a cada minuto nascem 180 indivíduos, não sou exagerado ao dizer que a cada 1 milhão de humanos que nascem ao redor do mundo, 100 desses nascem com algum potencial. Alguns, vão ser extremamente inteligentes, com dons maravilhosos, uns vão ser grandes artistas, outros matemáticos e físicos, ou grandes pensadores, ou seja, gênios em alguma coisa. Mais desses 100, vão nascer uma pequena quantidade de pessoas que realmente terão um dom muito especial, apesar de que ninguém vá conhece-los. Dessa pequena quantidade, dez vão conseguir desenvolver perfeitamente esse dom e destes apenas um, dois ou três conseguira sobreviver para contar história, e você esta nesse pequeno seleto grupo e justamente na parte mais difícil de todo o processo, que é a de descobrir e desenvolver essa habilidade escondida, é nesta etapa que você se torna um alvo, mesmo que você não perceba, suas habilidades estão explodindo por todo o seu corpo, mesmo que você não perceba nenhuma diferença, você esta mudando e eles perceberam isso, sentiram sua força interna em expansão. Mas o problema é que você e nem eu sabemos que tipo de dom você tem ou vai possuir, mas eles sabem que é algo perigoso, independente do que for, por isso vão vir atrás de você, vão caçá-lo sem piedade e se o encontrarem, vão mata-lo. – disse o velho.

          De repente senti um estalo na minha nuca, as coisas fizeram sentindo por um momento. Lembrei quando consegui esquivar do monstro com a corrente algumas vezes, não sabia como consegui fazer aquilo, mas pensando agora, era como se o tempo tivesse diminuído a velocidade, porque parecia que estava em câmera lenta.

          - Se eu sou um alvo e não posso mudar isso, o que tenho que fazer então? – Perguntei.
- Se adaptar a situação meu filho. Você tem que aprender a fugir, esconder sua presença até o dia que você estiver pronto para contra-atacar – Disse. – A vida vai te derrubar várias e várias vezes, mas você vai ter que aprender a levantar e seguir em frente, isso é sobreviver.

          Sabia exatamente o que ele queria dizer com isso, afinal, sobreviver era o que tinha feito durante todo esse tempo, apesar de não ter ninguém me perseguindo(ou já tinha?), cada passo que dei na minha vida, foi uma tentativa de continuar respirando, continuar lutando, Se ele estava certo, então tudo isso me levou até esse momento, mas mesmo assim, não sabia o que me esperava.

          Realmente é engraçado, até pouco tempo me achava insignificante, mas de repente descubro que sou um tipo raro de humano, Não sabia exatamente o que esperar, mas parecia que eu não tinha escolha.
          Mas tarde o velho disse que o que me atacou é chamado de impuro, o velho disse que antes, foram seres de e protegiam os humanos, mas se corromperam por algum motivo e tomaram o rumo da escuridão (algo parecido com a queda dos anjos e seu líder lúcifer, pensei.). Aparentemente sempre estão entre nós, espreitando pelos cantos, em busca de alimentos, presas fácies ou para encontrar outras entidades puras e contamina-las com sua maldade (Ele não soube me explicar como isso acontece). Só humanos com certos dons conseguem identificar o que está oculto, ou conseguem sentir sua presença e os mais bem treinados, conseguem os ver fora através do véu que cobre a visão da humanidade e podem combatê-los.
          Sabe, Toda vez que temos aquela sensação de que estão nos olhando quando não há ninguém perto, aquele calafrio ao passar em um local deserto e sente alguém te seguir ou aquele sonho que te faz acordar com o coração acelerado e a adrenalina a todo vapor, onde você acorda assustado olhando para todos os cantos do seu quarto procurando um potencial agressor e quando percebe que não há nada, você volta a deitar mas com aquela sensação de que era real. São eles nos procurando, parabéns (ou não) você pode senti-los, talvez você seja um de nós.

...

4 Responses to “Tão especial.”

  1. Anônimo says:

    Muito bom.

  2. Gostei, principalmente quando fala de uma sensação comum a todos nós. Quantas vezes acordei assim, ou rezei para alguém me acordar de um sonho ruim, mas que parecia real. A mistura de sonho e realidade está bem dosada. Mas, estou curiosa, como surgiu a ideia de escrever sobre o tema?

  3. Olá, eu mencionei um pouco em sobre o livro, mas não deixei tão claro. Foi exatamente dessa maneira como você descreveu, eu sonhei com o primeiro personagem, eu o vi andar na praça e vi como ele se saiu. O engraçado é que acordei com aquela sensação de que havia sido real, então para não esquecer do sonho e da sensação, passei para o papel. Ao total já tenho uns 25 capítulos prontos, mas ainda tenho que fazer algumas pesquisas e alterações para publica-los, posso dizer que 70% deles, foram baseados em meus sonhos.

  4. Poxa muito legal! Um livro baseado em sonhos e apoiados em pesquisas, muito legal! Talvez por isso esteja ficando a cada capítulo mais interessante, continue, pois vou acompanhar.

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